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O enredo na garrafa
As novelas como arte
Boletim Lunar
Escrevi essa numa única sentada nessa lua em quarto crescente, tão gibosa que está quase cheia. A maré estava enchendo durante a escrita, e alcançou o momento mais alto praticamente ao mesmo tempo que o ponto final desse texto. Muito auspicioso. A próxima Lua Cheia é 19/08, a Lua do Esturjão, trazendo mudanças inesperadas e bem-vindas.
Novas luas e marés
Oi, sou eu de novo.
Meio sumida, eu sei, mas ultimamente tenho pensado três ou quatro vezes sobre a relevância do que eu escrevo por aqui. Escrever por escrever é muito bom, ler por ler nem tanto, e não quero abusar do espaço na sua caixa de entrada e nem do seu tempo.
Por mais que eu tenha uma penca de interesses exóticos e curiosidades inusitadas para compartilhar, venho guardando esse rodamoinho de palavras para quando eu achar que vale realmente a pena organizar em frases e enviar. E, à medida que o lançamento do meu novo livro se aproxima a minha atenção se espalha e estica e afina e é absorvida, como as ondas na areia da praia (eu ainda tenho as metáforas marítimas, viu?).
Mudar (de novo) a identidade visual desse espaço foi uma das motivações para mandar esse texto hoje, a arte foi feita por uma das minhas artistas favoritas e eu adoro compartilhar o que ela faz. A Stephanie Marino fez as capas de “Marea Infinitus” e “As sete mortes de uma sereia”, e fez também a arte do marca-página que eu vou levar para a bienal de São Paulo. Gentilmente, ela me mandou todos os elementos para que eu pudesse reaproveitar e usar aqui também nesse espaço de email/site. Trabalhar com artistas de verdade é sempre uma experiência boa, recomendo demais. (Nunca hesite em procurar as profissionais certas pro trabalho certo!)
Mas então, sobre o que eu vim falar hoje?
Novelas!
Mais ou menos. Também é sobre inspirações e referências.
O enredo na garrafa
Essa semana eu e outros amigos autores participamos de um clube de leitura para conversar com leitores de histórias nossas que foram publicadas na antologia “A lua é sempre a mesma”, que reuniu histórias variadas em épocas variadas sobre lobisomens. Lobisomens são meus monstros da vez, como já deve ter dado pra perceber (e eu vou falar cada vez mais deles, com a publicação do romance vindo aí).
Conversar com leitores é uma caixinha de surpresas. A variedade de interpretações que as pessoas podem ter de uma mesma história nunca deixa de me encantar. As diferentes referências da vida de cada um constroem esse arcabouço de entendimento e tingem as lentes com que alguém lê/vê/ouve uma história, e influenciam a forma com que essa história toca a pessoa, em como ela brota e se transforma ainda em outros sentimentos. É um processo bem mágico que eu sempre admirei enquanto leitora, e estar agora do outro lado dessa troca é igualmente sublime.
Não importa o quão específica você imagine que uma referência ou inspiração seja, existe em algum lugar pelo menos um outro ser humano que vai captar e entender. E essa semana fiquei feliz demais que uma leitora pegou as referências noveleiras de Pantanal que eu coloquei no conto “Esperanza é seu nome do meio”, parte da antologia.
Talvez você me conheça já há algum tempo e não saiba que eu sou noveleira, então... surpresa! Como muitos dos meus interesses, eu não fico toda hora falando sobre isso, principalmente porque eu circulo em tantos meios diferentes que dificilmente eu estou em algum lugar em que eu tenha espaço pra falar sobre todos eles. As pessoas normalmente descobrem que eu gosto de novela quando digo que não posso fazer alguma coisa ou peço pra mudar horário de algo pra eu não perder o capítulo em que finalmente Sandra e João Pedro vão se acertar (de novo). (Inclusive, amigues que vão pra bienal, por favor tenham consciência que dia 06 de setembro é o último capítulo de Renascer!)
Eu não vejo TODAS as novelas em todos os horários. Gostar de novela e ver novela é a mesma coisa que ler, você não se obriga a ler e gostar de todos os livros do mundo (pelo menos, pela sua saúde, eu espero que não). Quando alguma me chama atenção, eu paro e assisto. Inclusive, uma das belezas das novelas enquanto forma de contar história é que elas são muito fáceis de acompanhar. As longas durações e recorrentes repetições de situações de enredo são feitos para que as pessoas não precisem ver absolutamente todos os capítulos, são pensados para que elas consigam perder alguns dias ou até semanas e ainda entender o que está acontecendo quando voltarem a assistir. E se não entenderem, outra beleza: as sinopses dos capítulos estão sempre facilmente disponíveis, as revistas de fofoca já adiantaram meses antes vários acontecimentos da trama. (Não vou entrar nessa seara, mas, sim, o spoiler faz parte da cultura brasileira e eu acho isso muito lindo.)
Assistir novelas é algo muito cultural nosso. Saber reconhecer quais novelas foram feitas por qual emissora é praticamente como saber identificar os sambas das escolas de samba. Autores de novelas clássicas tem tanto (ou mais) prestígio que autores de livros clássicos ou best sellers. Mesmo que você não se identifique como noveleira, mesmo que não assista, eu garanto que tem coisas que você nem imagina que sabe sobre novelas porque ficam no nosso subconsciente coletivo, um pacote de piadas e bordões que se propagaram ao longo do tempo.
Dito isso, eu sei também que existe uma impressão geral de que as novelas estão atualmente em declínio, as séries (mais curtas e direto ao ponto e em serviços de streaming para ver a hora que você quiser) têm ganhado mais popularidade e destaque. Acho que não é por acaso que estamos vivendo uma época de grandes remakes: Pantanal e Renascer apenas dois exemplos mais recentes. Não vou tentar destrinchar aqui os motivos disso, não cabe, mas parece bem claro que “na dúvida, vamos trazer as campeãs de volta”. É um pensamento justo e aparentemente acertado, embora não deixe de ser uma pena que o espaço para novelas frescas esteja ficando reduzido.
Tanto Pantanal quanto Renascer foram de uma época em que eu já era viva, mas bebê demais para assistir, então fiquei muito empolgada quando pude ver os remakes. Para quem gosta de escrever, tem muitas coisas para serem tiradas das novelas. Particularmente, para mim que sou ligada aos elementos especulativos e fantásticos, Pantanal e Renascer têm muitos pontos de inspiração.
Algumas vezes de forma sutil e dúbia, deixando a insinuação no ar para ser interpretada (e gerar discussão), e outras de forma bastante escancarada, Benedito Rui Barbosa usou e abusou de elementos fantásticos nessas duas novelas. Espíritos, transformações em bichos, acordos com entidades, religiosidade... o tempo todo a narrativa dessas duas é conduzida por elementos sobrenaturais. Independente do nome dado (realismo mágico, fantasia, fantástico, especulativo...), ele levou histórias influenciadas pelo sobrenatural pro horário nobre da TV brasileira e ninguém diminuiu essas narrativas como algo “para criança” por isso. Existe um preconceito difícil de combater de que as histórias com fantasia (ou ficção científica) são para jovens de uma maneira geral (e elas podem ser, sim!), adulto que é adulto gosta apenas de histórias sérias e adultas e... bom, o que é adulto? O tema ou o cenário? Há milhares de formas de pegar qualquer coisa no mundo e apresentar para diferentes públicos e audiências, e servir para todas elas. E o Benedito conseguiu colocar uma mulher que vira onça como peça central de uma história que adultos não só assistiram, como gostaram e vibraram.
Eu assisti Pantanal, e estou assistindo agora Renascer, e muitos dos temas e personagens ficaram comigo. Então quando fui convidada a participar da antologia com um conto de lobisomem, foi uma das coisas mais naturais do mundo escrever uma mulher atrás de vingança numa parte do país tão linda e tão esquecida e tão maltratada. Tanto é que eu escrevi e só percebi depois de onde tudo tinha vindo.
E quando a leitora falou que o conto fez ela se sentir no próprio pantanal foi um momento muito especial pra mim. Ela lembrou da novela ao ler e quando eu disse que foi mesmo uma inspiração ela ficou feliz de volta de ter essa confirmação. A ideia não só passou pro papel, como passou do papel pra cabeça de outra pessoa. Mesmo depois de metamorfoseada, mastiga e reconstruída, ela persistiu e serviu de conexão entre escritora e leitora.
Volta e meia eu digo isso por aí: arte se alimenta de arte. Bom, se alimenta de muitas coisas, é verdade, mas também se alimenta de arte e talvez seja esse o alimento mais nutritivo para quem quer criar alguma coisa. Novela é arte. Sim, até aquela novela das sete com situações absurdas e bregas e humor exagerado. Novela é provavelmente uma das artes mais acessíveis para as pessoas, com camadas de profundidade para todos os gostos e interesses, e para muito além de quando traz enredos educativos sobre questões da atualidade, para muito além dos cortes de câmera e alta tecnologia. É a mistura de tudo: texto (arte escrita), figurino e cenário (arte visual), atuação e direção (arte dramaturga)... e o próprio contexto cultural de onde ela nasce e o qual passa a influenciar. Você não precisa gostar de novela, claro, mas também não precisar dar aquela risadinha incrédula quando alguém falar que não pode perder o capítulo de hoje.
A título de curiosidade, e quem sabe de recomendação caso esse texto tenha te deixado com curiosidade de catar uns capítulos de novelas pra ver por aí, algumas das minhas novelas favoritas são essas (sem uma ordem específica, eu nunca consigo decidir):
“A Indomada”: o enredo de uma mulher voltando pra ser dona de tudo, a cidade pequena com prefeito de moral duvidosa, o cadeirudo, o buraco que dava pra China... isso aqui foi TUDO. O dia que fizerem um remake eu vou sumir vendo todos os capítulos.
“O Cravo e A Rosa”: não é por acaso que reprisa toda hora, histórias de amor para todos os gostos com humor e dramas inesperados. Essa eu acho que preferia que nem fizessem remake, tenho muita memória afetiva com essa.
“Pantanal”: como dito acima e acrescentando também os cenários lindos, a dinâmica complexa que consegue ter mesmo com relativamente poucos personagens e núcleos, e um vilão muito bem escrito e interpretado.
“Da cor do pecado”: clima praiano, família Sardinha com direito a Sidney Magal, humor e seriedade misturados do jeito certo... Outra que eu não sei se gostaria de um remake, perfeitinha demais como é.
“O beijo do vampiro”: um clássico da minha adolescência, fantasia explícita e sem meias palavras, trilha sonora maravilhosa, Claudia Raia diva de vampira, enredos para todas as idades. Essa acho que eu teria muita curiosidade para um remake.
Se você tem novelas favoritas, ou tem momentos favoritos de novelas, vou adorar saber. Falar de novela é como falar de filme, livro, série, desfile de escola de samba... é parte do nosso viver cultural brasileiro, e eu gosto da perpetuação disso.
Tanto quanto o ato de escrever e ser lida é como jogar uma garrafa com uma mensagem que vai derivar e chegar até quem precisa, as novelas carregam essa marcação do tempo em que foram produzidas e assistidas, elas criam conexões criativas entre escritor e telespectador e também entre os telespectadores. Os enredos são nossos e escritos para nós, mas servindo de maneira única e universal ao mesmo tempo.
(Tudo isso pra dizer o quanto eu estou animada para assistir a mesa com autores de novela que vai ter na bienal do livro. Obrigada, Diana Passy, por ter organizado isso!)
Novidades
Caso tenha te despertado a curiosidade sobre o conto na antologia “A lua é sempre a mesma”, esse livro e meus outros dois, “Marea Infinitus” e “As sete mortes de uma sereia”, estarão em promoção no evento Encha Seu Kindle organizado pela Divulga Nacional em pareceria com a Amazon. Vai ser no dia 24/08, e além desses meus vão ter centenas de livros de graça ou em promoção para você comprar e ler pela plataforma kindle. Sempre vale a pena! No perfil dela dá pra acompanhar todas as notícias sobre o evento.
Para quem está esperando novidades sobre o meu romance que vai sair pela Editora Rocco... ESSA SEMANA TEM UMA! Fique de olho nos perfis da editora aqui e aqui, e também no meu perfil (agora @lisquercafe em todas as redes), que vai ser legal. Eu estou me consumindo de ansiedade pra poder compartilhar mais sobre a história.
A maré trouxe
Hoje vou indicar só amigas, porque elas merecem! As marés sobem e descem, as amizades ficam.
A editora Suma liberou um CAPÍTULO EXTRA de “Mariposa Vermelha”, escrito pela Fernanda Castro! O capítulo extra traz grandes spoilers pro final do livro, claro, mas eu acho que pode ser muito interessante começar por ele e depois ler o livro pra saber como a personagem acabou presa. Aviso válido: conteúdo sexual explícito, se você gosta só vai.
Dia 25/08 vai ter a seção de autógrafos de “O abismo de Celina”, escrito pela Ariani Castelo, e publicado agorinha pela editora Rocco. Essa história é um relançamento e está morando na lista dos mais vendidos do site da Amazon há semanas.
Essa semana também teve a revelação de capa e título do próximo livro da Paola Siviero. “A torre do pântanos dos ossos” é a continuação de “A lenda da caixa das almas”, fantasia que emplacou a lista de mais vendidos da Revista Veja e vem acumulando fãs de todas as idades desde o ano passado. Se você tá procurando uma aventura pra ver se engata o gosto de leitura nas crianças da sua vida, essa série é certeira.