As baleias de Melville e Verne

- Boletim Lunar -

Início da escrita: Eu confesso que fiquei com preguiça de verificar a lua e a maré, porque eu precisaria descobrir uma data de mais de dois anos atrás. Explico melhor ao longo do texto.

Término da escrita: A Lua está minguante com apenas 6% da superfície visível, e a maré está baixa e baixando, quase atingindo a altura mínima.

Data de envio: Essa edição está programada para chegar até você no momento exato da lua nova, quando a maré estará subindo.

Luas & Marés #4 - Consultado pela Tábua de Maré do porto do Rio de Janeiro

Nessa edição você encontra:

  • saudades da Revista Pretérita

  • Moby Dick, 20.000 Léguas Submarinas e pesca da baleia

  • novidades, indicações

Um aceno ao passado recente...

Lá em 2021, uma escritora que eu adoro me fez um convite.

Eu gosto de romances de época, de histórias retratadas num tempo passado que nem precisa ser tão distante assim. Acho o passado um terreno fértil para o fantástico e para cura através da ficção. Quando descobri a Revista Pretérita, fiquei muito feliz. Com foco em publicar histórias do passado (contos históricos, de época, e afins, desde que antes do ano de 1990 se não me falha a memória), a revista também costumava publicar textos de não-ficção: uma receita culinária aqui, um artigo ali... Os artigos tinham que estar relacionados ao tema da edição da revista.

Então um dia a Anna Martino apareceu na DM. Além de escrever histórias que eu amo e gerenciar a editora Dame Blanche, a Anna também fazia parte do time que tocava a revista, e perguntou se eu topava fazer um artigo para uma edição cujo tema seria o mar.

Essa mesma edição já tinha me motivado a fazer uma série de fios no xwitter sobre naufrágios históricos na costa brasileira, inclusive.

Claro que eu disse sim, e daí nasceu o artigo que envio logo abaixo! “Das baleias de Melville e Verne à caça esquecida no Brasil” é um texto que une o meu fascínio por baleias e golfinhos com o meu amor por literatura, e minha memória afetiva com 20.000 Léguas Submarinas, de Júlio Verne.

Essa edição ficou gratuitamente disponível para todo mundo no final de 2021, e estava linda. Eu ainda tenho a capa emoldurada na minha mesa porque essa publicação foi um daqueles marcos de carreira que guardo com muito carinho.

Infelizmente, hoje a Pretérita não está mais no ar. Questões do fazer literário que não temos como controlar. Então, estou trazendo de volta esse texto que gosto tanto. Faço isso para manter ele ainda encontrável na internet, como também para erguer um brinde com a minha xícara de chá para a Pretérita que me abriu uma das primeiras portas nessa jornada de escritora.

Mantive o texto abaixo exatamente como ele foi publicado, incluindo as imagens e as referências, infelizmente não consegui colocar a ilustração fofinha que vinha no cabeçalho do artigo na edição original, mas era uma cachalote lindinha — tão lindinha quanto a própria Moby Dick.

(e é por isso que eu não coloquei a lua de quando comecei a escrever, eu comecei a trabalhar nesse texto em algum momento de setembro de 2021 em um outro computador e não faço ideia da data!)

Das baleias de Melville e Verne à caça esquecida no Brasil

Nosso fascínio pelo oceano está representado em muitas obras de ficção: o mar proporciona tantas metáforas quanto recursos essenciais para a sociedade. As histórias relacionadas aos grandes empreendimentos marítimos nos acompanham desde sempre, embalando o nosso imaginário sobre jornadas, embarcações, guerras, e animais marinhos.

Presente nos mapas de navegação antigos, a fauna marinha sempre ocupou um lugar ambíguo no imaginário humano, ficando entre monstro e alimento pelo qual valia a pena se arriscar e, de todas as criaturas, poucas transitaram tanto entre essas diferentes perspectivas quanto os cetáceos. Esses animais são encontrados em todos os oceanos, e na maioria das zonas costeiras e ilhas [1,2].

Figurando nas histórias desde sempre, é notável que muitas delas girem em torno da caça, principalmente na sociedade ocidental colonizada por europeus. Dois dos clássicos mais conhecidos do século XIX tocaram nesse tema: “Moby Dick ou A baleia” de Herman Melville; e “Vinte Mil Léguas Submarinas” de Júlio Verne. Ambos são livros com uma grande riqueza de detalhes, mostrando como o mundo enxergava a baleia numa época em que atravessar o oceano era muito mais perigoso e um empreendimento com mais mistérios do que é atualmente.

Os cetáceos são mamíferos que compreendem dois grandes grupos, os misticetos e os odontocetos. Nos misticetos temos hoje 14 espécies conhecidas, como a baleia-azul, a jubarte, e a baleia-franca; nos odontocetos conhecemos 77 espécies viventes, incluindo as baleias bicudas, os cachalotes, as orcas, golfinhos e botos [2]. A principal distinção morfológica são as estruturas da boca: os primeiros têm barbatanas e os segundos, dentes [1]. A nomenclatura comum ‘baleia’ e ‘golfinho’ muitas vezes não corresponde à divisão taxonômica aceita, porque tradicionalmente no inglês, e na cultura baleeira, todos os grandes animais avistados no mar eram chamados de baleias, e os pequenos de golfinhos.

Moby Dick provavelmente é uma das baleias mais famosas da ficção, ainda que sua fama tenha uma conotação negativa. Nesse livro, Melville usa bastante de sua própria vivência como marinheiro em diferentes navios [3] e traz todo tipo de aspecto relacionado à caça. Embora a história seja principalmente lembrada pelo embate de Capitão Ahab com o cachalote, o livro trata as baleias em duas camadas igualmente importantes: um no aspecto prático da caça, com observações e informações sobre a operação baleeira e a sociedade dependente dela; e outro metafórico, em que a conquista sobre a baleia representa a conquista sobre o próprio oceano. No primeiro capítulo, nas palavras de Ismael: “O principal motivo foi a irresistível ideia da própria grande baleia. Esse monstro portentoso e enigmático despertou minha curiosidade. Ademais, fiquei fascinado pelos mares selvagens e distantes que ela atravessa com seu corpanzil de ilha e pelos seus incalculáveis e inomináveis perigos.” [4].

Essa mistura de visões sobre os cetáceos também está presente em Vinte Mil Léguas Submarinas; ainda que a história não seja focada exatamente nesses animais, alguns paralelos podem ser traçados. Além do Capitão Nemo e o Professor Aronnax, entre os personagens de destaque temos Ned Land, um baleeiro que aprecia o seu ofício [5]. Os três têm experiências e saberes distintos sobre baleias, e apesar de algumas inconsistências, o confronto de ideias entre os três traduz ainda hoje a maneira como a sociedade encara os cetáceos: criaturas que merecem proteção, seres a serem estudados, e animais a serem explorados. Coincidência ou não, Verne menciona na história o mesmo incidente que foi uma das inspirações para a história de Moby Dick — o caso do navio Essex, que naufragou próximo das ilhas Galápagos por conta de um choque com um cachalote.

A caça à baleia surgiu de forma independente como uma busca por alimento em diferentes sociedades, mas a operação que estamos acostumados a ver retratada na ficção ocidental encara a baleia não como fonte de alimento, mas como um produto comercial.

A pesca da baleia em todos os lugares do mundo gerou diferentes produtos: além da carne consumida para alimentação, em alguns casos salgada para maior durabilidade, o óleo extraído da gordura era transformado para queima em lâmpadas na iluminação pública, impermeabilização de cascos de embarcações, e na mistura de argamassa para construção de prédios. Esse óleo, junto de outros compostos, também podia ser aproveitado para refinar enxofre, preparar couros, e fazer sabão a um custo menor do que com o azeite de oliva [6, 7]. As barbatanas, estruturas da boca, eram empregadas no vestuário, como os espartilhos, e aparecem em diversos objetos artesanais [9]. O espermacete, óleo mais fino existente unicamente na cabeça do cachalote, podia ser usado para fazer velas [7]; e o âmbar gris, bastante raro, servia de matéria prima para itens variados, dentre os quais se destacam os perfumes [8]. Esse ponto é muito bem ilustrado ao longo de quase todos os capítulos de Moby Dick que precedem a viagem. O óleo de baleia era capaz de sustentar e movimentar a economia de cidades marítimas [6], e através dos olhos de Ismael, antes de embarcar na sua viagem, Melville retrata esse cenário de valorização da exploração da baleia.

Esse potencial de lucro diversificado fazia valer a pena os riscos do mar, e ajudou a criar um imaginário em torno das pessoas que se arriscavam nessas viagens — aqui vale lembrar que há registro de mulheres em navios baleeiros, acompanhando seus maridos [10]. Esses navios frequentemente viajavam por longos períodos, na maioria das vezes voltando ao porto de partida apenas um ano depois ou mais [11] — Melville pode ter exagerado quando preparou o Pequod para uma viagem de três anos, mas não passou tão longe da marca. O Essex chegou a fazer sete viagens antes de naufragar, e delas pelo menos três tiveram duração de dois anos [11]. Portanto, é compreensível que na época os pescadores de baleia fossem vistos como provedores para a sociedade tanto quanto hoje um pescador de peixes é visto. Melville enche as páginas do livro com heroísmo e honrarias, ressaltando os sacrifícios desses homens do mar.

Verne traz uma visão menos apaixonada, já que seu enfoque é na jornada do Nautilus e nos detalhes científicos. O Professor Aronnax contesta com ciência os exageros apresentados por Ned Land, e nesse contexto temos em Vinte Mil Léguas um capítulo todo dedicado a baleias, que faz mais reflexões éticas e ecológicas do que trata da caça propriamente dita.

Apesar das diferentes abordagens, um ponto em comum entre as duas histórias é o destaque negativo dado ao cachalote. Essa espécie, Physeter macrocephalus, pertence à família Physeteridae, na subordem Odontoceti [2]. Isso para dizer que, na taxonomia, ele está mais próximo dos animais que chamamos de golfinhos (odontocetos) do que das baleias (misticetos) [1]. Apesar de nem Melville nem Verne terem acesso a essa separação taxonômica na época, ambos colocam o cachalote a parte dos demais cetáceos. Em Moby Dick, essa espécie é exaltada como a maior de todas as baleias: é  considerada o maior desafio, a que proporciona os produtos mais valiosos, além de protagonizar na obsessão de Capitão Ahab. Já em Vinte Mil Léguas encontramos a distinção dada logo no título do capítulo: Baleias e Cachalotes, e ao longo dos acontecimentos o cachalote é separado dos demais cetáceos mais por sua suposta vilania do que por suas características.

Eles são todos boca e dentes!” (Fig. 1) disse o Capitão Nemo em Vinte Mil Léguas Submarinas ao se referir aos cachalotes [5], e logo em seguida o Professor Aronnax emenda numa série de dados que mais inventam do que descrevem um cachalote. Esse é um trecho sangrento do livro e também um dos mais contraditórios. Após um breve debate em que Nemo se demonstra contra matar baleias-austrais apenas por matar, logo em seguida temos uma parte em que o mesmo demonstra ódio contra os cachalotes e usa o esporão do submarino Nautilus como um arpão, entrando em combate direto contra o grupo. Quando criticado, Nemo responde que o cachalote é um animal maligno.

Descrição da imagem: Figura 1: Ilustração de Alphonse de Neuville da edição original do livro “20.000 Léguas Submarinas” por Jules Verne, 1871. A ilustração mostra uma cachalote com dentes exagerados a mostra num mar de ondas altas, tudo em tons de preto, branco e cinza.

Ao longo dos últimos séculos nosso conhecimento sobre esses animais evoluiu muito, partindo de uma época em que se pensava que cetáceos eram peixes Tanto Melville quanto Verne tentaram inserir em seus livros o conhecimento disponível da época, mesmo que não fosse esse o único propósito das histórias. Melville chega a citar Cuvier, que foi um cientista real e descreveu seis novas espécies de cetáceos em seu tempo [2], e Verne tem um cientista marinho como personagem principal, que diversas vezes compartilha de seu conhecimento com os companheiros, apesar de sabermos hoje que muitos desses fatos cetológicos que hoje sabemos estarem errados. Mas é interessante notar que Vinte Mil Léguas trouxe algumas previsões que vieram a se concretizar, fosse a intenção de Verne prever o futuro ou não. Hoje sabemos que a distribuição espacial das baleias no oceano varia de acordo com a espécie e seu comportamento único [2]. Há espécies de baleia, como a jubarte, que realizam migrações sazonais entre áreas de alimentação (mais frias) e áreas de reprodução (mais quentes), e outras como a baleia-de-Bryde, cuja migração percorre meridianos ao invés de paralelos — isto é, em algumas épocas estão mais próximas à costa e em outras no oceano aberto [2]. Os cachalotes, por sua vez, não realizam movimentos que podem ser chamados de migração. Ao invés disso, habitam grandes áreas e se movimentam dentro delas [2]. O Professor Aronnax apresenta diversos fatos sobre os limites de ocorrência de baleias, mas olhando numa escala maior ao longo do capítulo, a narração traz dois trechos dignos de citação sobre o destino final delas:

As baleias gostam de circular pelos mares austrais e boreais, daí surgirem as lendas antigas que esses cetáceos levaram os pescadores a apenas trinta quilômetros do polo norte. Se o fato não é verdadeiro, um dia o será, e isso há de acontecer provavelmente assim, expulsando as baleias para as regiões árticas ou anárticas os homens alcançarão esses pontos desconhecidos do globo.

Isso está diretamente relacionado com o que vem um pouco depois, quando Nemo fala contra caçar apenas por caçar:

Cabe ao leitor imaginar a cara do canadense durante essa aula de moral. Expor tais argumentos a um caçador era perda de tempo. Ned Land observava o capitão Nemo e visivelmente não compreendia o que ele queria dizer. Entretanto, o capitão tinha razão: um dia, a obsessão bárbara e inconsequente dos pescadores irá extinguir a última baleia dos oceanos.”

A caça na Antártica teve início no começo do século XX, quando a tecnologia de processamento de óleo permitiu que toda a operação fosse conduzida a bordo dos navios ao invés de obrigatoriamente ter uma parte em terra [6, 12]. Esse avanço tecnológico também fez com que o número de animais capturados por viagem aumentasse consideravelmente, fazendo com que mais de 1 milhão de baleias fossem capturadas no oceano austral [12], culminando no tardio reconhecimento que as baleias eram um recurso esgotável e finalmente dando força à regulamentação da caça [6]. Atualmente, a caça ainda ocorre em maior escala no oceano austral, principalmente por japoneses, que não reconhecem os acordos internacionais sobre o tema [12].

Todo esse cenário, real e imaginário, muitas vezes dá a noção equivocada de que a caça sempre ocorreu nos polos e nas regiões mais frias e remotas do planeta. Contudo, em seus primórdios, a caça comercial ocorria também em territórios costeiros e tropicais. Onde estão as histórias de baleias do Atlântico Sul?

Apesar da pouca documentação quando comparado a outros aspectos da nossa história, as águas brasileiras eram tão abundantes em baleias que a caça na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, era farta e fácil, conforme retratado por Leonardo Joaquim (Fig. 2). A Ponta do Arpoador, hoje um popular ponto turístico no Rio de Janeiro, era exatamente o que seu nome descreve, um local onde baleias eram arpoadas.

Descrição da imagem: Figura 2: “Pesca da baleia” uma pintura de Leandro Joaquim (1739-1798), da coleção do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. A única cena conhecida da pesca da baleia na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. Os prédios ao fundo são a fábrica de extração de óleo na Ponta da Armação, para onde baleias já capturadas estão sendo arrastadas.

A pesca da baleia não apenas foi comum no litoral brasileiro como deixou suas marcas em nomes de cidades e praias. Armação dos Búzios, cidade do norte do Rio de Janeiro, Praia da Armação, Ponta do Arpoador, Praia dos Ossos... todos esses locais remetem às atividades baleeiras. Armação era o nome dado ao conjunto de prédios e petrechos usados na pesca: o engenho de azeite, onde o óleo era processado; a casa de administração; locais de armazenagem de alimentos e materiais; casas de moradia temporária durante a temporada; e a senzala [13]. Um terrível aspecto pouco abordado sobre a atividade no Brasil foi o uso do trabalho escravo. Havia uma separação marcada na mão de obra das armações, que se valeu da escravização africana e indígena, com suas condições sendo tão ruins e degradantes quanto os serviços em minas e plantações. Os considerados de fato baleeiros eram os arpoadores, remeiros e timoneiros, em grande maioria homens livres; a lida com as partes da baleia já morta e seu beneficiamento era deixada com os escravos [7].

Por todas essas questões, já fica claro que o contexto da pesca da baleia aqui era bastante distante do que vemos retratado nas histórias de Melville e Verne, que mostram o período de dominância da operação baleeira americana no século XIX. O intervalo entre 1760 e 1790 é considerado o apogeu da pesca da baleia no Brasil, mas a atividade já ocorria no século XVII, quando inclusive a carne era consumida pelas comunidades próximas da praia [7,13], ou seja, cerca de 100 anos antes das épocas em que as histórias foram escritas. Então, ao invés de grandes navios cruzando os oceanos e realizando viagens de anos, aqui tivemos uma atividade mais concentrada próxima à costa, com viagens em barcos a remo durando em torno de três meses [13]. Além disso, uma grande diferença foi o monopólio instaurado pela coroa portuguesa sobre a atividade, de modo que a operação proliferou em diferentes pontos da costa ao longo dos anos de acordo com a autorização da Coroa para o estabelecimento de novas armações [7]. No século XVII, a Bahia foi a concentradora da atividade, e no século XVIII as principais armações se encontravam nas regiões sudeste e sul. A coroa abriu mão do controle sobre os contratos da operação baleeira apenas no início do século XIX, quando ocorre o declínio da atividade causado por uma conjunção de fatores: baixa eficiência no método de refinamento e produção do óleo, o pensamento econômico da época, o surgimento do petróleo como uma opção de produto melhor, e também a redução do número de baleias pescadas devido à competição estrangeira [7].

Os navios baleeiros europeus e norte-americanos, os mesmos retratados por Melville e Verne, pescavam em alto-mar ao longo de todo o ano, atingindo diferentes momentos da migração de várias espécies de baleia [6,12]. Essa abordagem retirou grandes quantidades das populações de baleia do hemisfério sul, e também reduziu a quantidade de baleias que chegava até a costa brasileira, influenciando na disponibilidade para a caça em território nacional e consequentemente na abundância dessas espécies como um todo. Somando a pesca contínua por todo o oceano Atlântico à caça na Antártica, as populações de baleias do Atlântico Sul foram gravemente impactadas por muitas décadas [12].

Em tempos contemporâneos, na maior parte do Brasil as pessoas têm pouco contato com a ocorrência de cetáceos, mesmo nas cidades litorâneas. O brasão da cidade do Rio de Janeiro traz dois botos, mas a maior parte dos cidadãos cariocas não sabe que a Baía de Guanabara abriga uma população residente de botos-cinza. As aparições de jubartes, baleias-de-Bryde e baleias-francas em alguns locais causam espanto e viram notícia de jornal, pois durante muito tempo não ocorreram anualmente. Mesmo o cetáceo mais conhecido pelos brasileiros em função das lendas de povos indígenas, o boto-cor-de-rosa, enfrenta graves riscos, dentre eles a caça para servir de isca para peixes de valor comercial.

Da metade do século XX em diante, a perspectiva humana sobre a baleia mudou bastante, sendo hoje uma espécie guarda-chuva, cuja conservação auxilia na preservação do ambiente marinho e de outras espécies. De símbolo para a conquista sobre o oceano, baleias e golfinhos são retratados nos filmes das décadas mais recentes como representações de amizade, liberdade e esperança, tendo a ficção um papel importante de sensibilização e conscientização da importância desses animais. Algumas espécies já dão sinal de recuperação de números populacionais: a baleia jubarte é um caso de sucesso no mundo todo [12]. No contexto brasileiro, o esforço para levar os cetáceos ao público ainda está concentrado nos grupos de pesquisa e ONGs que desenvolvem trabalhos de divulgação científica e educação ambiental em regiões costeiras, havendo ainda um espaço a ser reconquistado na nossa ficção. As baleias de Melville e Verne não nadaram no Brasil, mas seus livros nos fazem pensar sobre o que queremos contar sobre elas hoje e como resgatar a história das nossas baleias do esquecimento, visando um futuro melhor para elas.

Referências

  1. Berta, Annalisa, James L. Sumich, e Kit M. Kovacs. Marine mammals: evolutionary biology. Elsevier, 2005.

  2. Jefferson, Thomas A., Marc A. Webber, e Robert L. Pitman. Marine mammals of the world: a comprehensive guide to their identification. Elsevier, 2011.

  3. Parker, Hershel. Herman Melville: 1819-1851. Vol. 1. JHU Press, 1996.

  4. Melville, Herman. Moby Dick ou A Baleia. Tradução de Vera Sílvia Camargo Guarnieri. Editora Landamark 2012.

  5. Verne, Jules. Vinte mil léguas submarinas. Tradução de André Telles. Editora Zahar, 2011.

  6. Davis, Lance E., Robert E. Gallman, e Karin Gleiter. In Pursuit of Leviathan: Technology, Institutions, Productivity, and Profits in American Whaling, 1816-1906. University of Chicago Press, 2007.

  7. Ellis, Myriam. A baleia no Brasil colonial. São Paulo, Edições Melhoramentos/EdUSP. 1969.

  8. Clarke, Robert. "The origin of ambergris." Latin American Journal of Aquatic Mammals (2006): 7-21.

  9. Lauffenburger, Julie A. "Baleen in museum collections: its sources, uses, and identification." Journal of the American Institute for Conservation 32, no. 3 (1993): 213-230.

  10. Lund, Judith N., Elizabeth A. e Tim D. Smith. "Whaling History: Connecting All Things Whaling." Publicação eletrônica. http://www.whalinghistory.org

  11. Lund, Judith N., Elizabeth A. Josephson, Randall R. Reeves e Tim D. Smith. "American Offshore Whaling Voyages: a database." Publicação eletrônica. http://www.nmdl.org

  12. Clapham, Phillip J., e C. Scott Baker. "Whaling, modern." em Encyclopedia of marine mammals, pp. 1070-1074. Academic Press, 2018.

  13. Dias, Camila B. A pesca da baleia no Brasil colonial: contratos e contratadores do Rio de Janeiro no século XVII. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. 2010. 139f.

NOVIDADES

As sete mortes de uma sereia, meu conto publicado pela Magh no ano passado, essa semana chegou em 3 lugar dos mais presenteados no gênero de Fantasia e Ficção Científica da Amazon essa semana por conta do Maio Nacional! O Maio Nacional é uma iniciativa encabeçada pela Ana Moscoso para valorizar e divulgar autores brasileiros. A proposta é em maio ler apenas (ou em maioria) autores brasileiros: contemporâneos, clássicos, tradicionalmente publicados ou independentes. Em comemoração a isso, e em comemoração ao fato de maio ser o mês das sereias (já ouviu falar no mermay?), o conto vai para o Kindle Unlimited! Eu não tenho certeza ainda de quando, a Amazon tem seus mistérios, mas fica de olho que mais cedo ou mais tarde essa história vai aparecer disponível para assinantes do KU.

Vem aí? Vem! A verdade é que eu tenho muitas coisitas regidas pela lua vindo aí esse ano. Uma vocês já sabe: o romance sobrenatural que vai ser publicado pela editora Rocco. A outra... aguardem 😊

 

COISAS QUE A MARÉ TROUXE

Como estamos no Maio Nacional, vou deixar aqui artes brasileiras que amo muito

  • Artistas do Rio Grande do Sul em geral. Se você lê minha newsletter, provavelmente não é uma pessoa alienada e sabe o que está acontecendo no país. Existem diversos meios de ajudar, links e pix já estão circulando bastante por aí, então vou deixar aqui também os perfis de artistas que acho que vocês podem gostar (porque eu gosto) e que estão precisando de apoio de todo tipo. Compre livros/ilustrações/quadrinhos/músicas criados no RS, depois que água passar ainda vai ter muito o que fazer.

Vitória Vozniak: escritora, poeta, editora. Além de ter trabalhado com ela na Eita! Magazine, também compartilhei uma edição da Revista Noturna com ela.

Talita Grass: ilustradora, quadrinista, revisora e escritora. Ela fez a ilustração mais linda para “As sete mortes de uma sereia” e adoro as artes dela.

Nikelen Witter: escritora e pesquisadora. Escreve com muita sensibilidade, e seu livro “Os viajantes do abismo” foi um dos primeiros que eu conheci dessa leva de escrita fantástica brasileira produzida atualmente.

  • Tudo da Joana Fraga. Joana Fraga é uma artista baiana, acho que minha ilustradora favorita atualmente, gosto de tudo que ela faz. Tenho vários cadernos com capas ilustradas por ela, quadro na parede, até baralho e canga. Não estou brincando. Ela está com a loja aberta e eu recomendo fortemente que você vá dar uma olhada lá. Como ela faz tudo sozinha, a loja nunca fica aberta por muito tempo, corre.

  • Que bruxaria é essa? Esse é o nome do canal do YouTube da Carol Chiovatto, autora incrível dos livros de fantasia urbana “Porém Bruxa” e “Árvore Inexplicável”. Lá ela tem feito entrevistas com outros autores e também pesquisadores, e no início de maio ela fez uma live com uma outra autora que amo demais, a Fernanda Castro. Assistir a conversa das duas fez com que eu me sentisse até mais inteligente, fica a dica pra vir aqui e apertar o play.