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A hora da Estrela
e de peixes viajando no espaço

Boletim Lunar
No momento de envio dessa edição, a lua se encontra no crescente giboso, com 69% da superfície visível. A maré está baixa, mas subindo, subindo, subindo…
Hoje em Luas e Marés
Um breve pensamento sobre o arcano XVII do tarô seguida de uma comemoração da minha publicação mais recente, e também novidades. Não se esqueça de vestir seu colete salva-digitação, essa newsletter infelizmente não conta com o suporte editorial de outras pessoas além de quem a escreve.
A hora da estrela
Eu sei que é covardia fazer referência a um título da Clarice Lispector, minha vizinha de bairro, pra chamar atenção, mas não resisti (e não será a última vez ao longo dessa newsletter!). Fazer pequenos trocadilhos com títulos e citações famosas de livro é uma diversão brega e inocente que volta e meia cai no nosso colo por acaso. Essa veio até mim como uma estrela cadente, quando estava pensando no assunto dessa edição curtinha que eu trago mais pra compartilhar notícias e novidades do que pra ocupar seu tempo com as minhas divagações.
O tempo anda corrido, o calendário vem devorando dias e prazos cada vez mais rápido à medida que se aproxima o final da gestação e eu me apresso pra dar conta de tudo antes da minha filha nascer e eu poder tirar um tempinho só para começar a construir essa nova relação gigante se instalando na minha vida. Não faço ideia do que o puerpério me reserva, então nesse primeiro semestre de 2025 tenho feito várias coisas como uma louca. Entre compromissos profissionais variados e exames médicos, e a teimosia inerente a minha pessoa que se recusa a soltar fios que comecei a costurar muito antes da gestação, estou no momento avançando no segundo projeto de escrita do ano. E é aí que entra a Estrela.
Não a da Clarice, não as do céu, mas a carta de tarô.

Descrição da imagem: Representação da carta da Estrela no baralho de Raider-Waite-Smith. A ilustração mostra uma mulher loira e nua apoiada sobre um joelho na terra e um pé na superfícia da água enquanto verte água de dois jarros, um em cada mão. Um jarro verte água no lago e outro na terra. Ao fundo vemos uma árvore com uma íbis de asas abertas e um céu azul claro com seis estrelas brancas de oito pontas e uma estrela maior, de cor amarela, também de oito pontas.
A inspiração do projeto da vez, que apelidei de ENNSC como sigla do título provisório, gira em torno do arcano XVII, um dos arcanos maiores da reta final da jornada do Louco no tarô. Numa brevíssima explicação pra quem ainda não foi mordido pelo bichinho oracular das cartas, o tarô é um baralho com 78 cartas: 22 são os arcanos maiores, que trazem grandes arquétipos; e 56 são os arcanos menores, que trazem a numeração de ás a dez e quatro cartas da corte (reis e rainhas, por exemplo) em quatro naipes. Cada arcano é um mundo por si só, com seus símbolos e significados que se ramificam em muitas interpretações ao serem aplicadas a cada leitura das cartas. Em grupo, as cartas contam histórias (não é à toa que são uma excelente ferramenta de criatividade, pra além do uso oracular típico), sozinhas elas carregam milhares de possibilidades.
Eu escolhi a carta da Estrela como inspiração pra essa história porque por vários motivos, a começar pela interpretação mais tradicional dela.
Nos tempos atuais, como muito bem explicado pela taróloga Rachel Pollack em seus livros, o significado mais difundido para o arcano XVII é o de esperança. Como o tarô tem muitas facetas (e diferentes escolas de pensamento), é claro que há muito mais para tirar de todas as cartas e essa não é exceção. Mas, a ideia de esperança e fé vem agregada ao arcano desde centenas anos, como exemplificado por essa lista com os significados atribuídos por alguns estudiosos do tarô e do oculto:
Dádiva (Cartomante de Pratesi, 1750)
Céu da alma, efusão do pensamento, imortalidade, influência moral da ideia na forma (Lévi, 1855)
Esperança, imortalidade no mundo divino, iluminação do espírito no mundo intelectual, esperança no mundo físico (Christian, 1870)
Esperança, expectativa, promessas brilhantes (Mathers, 1888)
Esperança, fé, ajuda inesperada (Golden Dawn, 1888-1896)
Luz descendente, esperança, imortalidade (Waite 1889, 1909)
Para além dos significados tradicionais estabelecidos pelos estudiosos do oculto, desde que comecei a aprender sobre o tarô já logo de cara fui atraída por essa carta. Esteticamente ela tem muitos elementos interessantes. É clara mesmo sendo um momento noturno (como trazer a luz para a escuridão sem apagar a beleza da noite?), a mulher tem um pé na terra e outro na água mas o que está no lago não afunda (que leveza é essa e como eu posso alcançá-la?), os movimentos sutis como a água fluindo e a íbis de asas abertas (é possível estar parada e em fluxo ao mesmo tempo?). Simbolicamente, a Estrela também traz conexões familiares para mim, como a associação tradicional com o signo de Aquário (o Aguadeiro dos deuses, vertendo água nas constelações), e as próprias estrelas literais como existem no nosso mundo: esferas explosivas e gigantes pontilhando o universo de tal forma que nós, seres insignificantes num planeta de moral duvidosa possamos não apenas existir, mas também olhar para o céu e encontrar uma direção a seguir. Inclusive, a representação tradicional da carta usa estrelas de 8 pontas, que trazem junto a imagem da rosa dos ventos, uma evocação da bússola e da ideia de uma estrela guia que nos ajuda a manter o rumo — isso também é esperança, não é?
Não me considero uma pessoa particularmente otimista. Sou ansiosa demais pra isso, sempre pronta pra tudo dar errado, a própria mensageira do caos que se prepara para mil cenários catastróficos. E justamente por isso eu preciso do lembrete recorrente de olhar pra cima e enxergar as estrelas, de deixar fluir e ser parte do fluxo, deixar renovar os pensamentos. Muito mais fácil falar do que praticar, mas seguimos tentando. A gente não precisa se enxergar nos símbolos para se apegar a eles, usá-los como um caminho. Todo novo baralho de tarô que chega nas minhas mãos eu procuro a carta da Estrela pra ver como me sinto sobre ele, já rejeitei alguns porque não gostei ou não me conectei com a representação artística.
Então, se eu fosse escrever apenas uma história na vida sobre um arcano de tarô provavelmente teria escolhido essa carta, mas como eu gosto de conversar com o destino eu puxei o bom e velho baralho e pedi uma carta pra usar de inspiração pra escrever. Como sempre, o tarô não decepcionou em jogar na minha cara coisas que eu já sabia e estava apenas enrolando. Me trouxe a Estrela, nem tanto um sinal místico e sim um aviso: não vá esquecer do que vem norteando seu caminho. É um outro jeito de dizer: continue escrevendo. De todas as coisas a serem feitas nessa carreira louca, escrever é o caminho.
Escrever uma história sobre esperança e fé também é, de certa forma, escrever sobre medos e desânimos. Sobre como afundamos em nossos problemas e não acreditamos que é possível alcançar a superfície de novo, sobre como esquecemos de olhar pra cima.
Não posso dar nenhum detalhe mais profundo sobre ENNSC por enquanto, até porque não é uma história pra agora (no sentido: não vai sair esse ano, e eu tenho expectativas que outra coisa saia esse ano). Quando eu puder dar mais detalhes vou compartilhando com vocês por todos os canais de comunicação que temos. Mas, pra não ser excessivamente misteriosa, deixo aqui uma das imagens do meu moodboard para o projeto, tirem suas próprias conclusões.

Descrição da imagem: composição de três fotografias digitalmente trabalhadas do telescópio Hubble mostrando diferentes perspectivas de galáxias.
Quem sonha volta pra casa
Na última edição eu fui desnecessariamente misteriosa e falei de uma história que estava por vir. Bom, ela está entre nós! E agora posso falar direito sobre “Viagem ao novo mundo velho”, meu conto que foi publicado na terceira edição da Revista Suprassuma, que você pode obter de graça bem aqui.
A Suprassuma foi uma iniciativa da Editora Suma, selo especulativo da Cia das Letras, que surgiu mais ou menos quando eu estava dando os primeiros passos no mundo da publicação e era um sonho estar nela. Eu participei de duas das três seleções (para as três edições) até conseguir um espacinho entre as páginas que publicaram tanto amigos quanto colegas que admiro.
O tema da terceira era edições era SONHOS, e logo de cara veio o desafio: como escrever uma história sobre sonhos sem cair em velhos clichês? Bom, quando eu me encontro encurralada em becos de escrita, meu primeiro instinto é buscar as fundações mais sólidas do meu arcabouço mental: o oceano. Os conselhos “escreva o que você gosta” e “escreva o que você conhece” seguem sendo dois dos mais valiosos entre as centenas de dicas de escrita por aí.
Uma curiosidade: uma das perguntas que as crianças mais fazem quando estamos dando palestras sobre baleias e golfinhos é se eles dormem, e como fazem isso. Afinal de contas, como seria possível dormir em baixo d’água, certo? Escrever sobre sonhos de cetáceos seria interessante, mas as pessoas já tendem a pensar que baleias e golfinhos são as criaturas mais inteligentes do mar, já aceitam que têm uma consciência como a dos primatas (humanos inclusos), por exemplo. Então eu dei um salto taxonômico e me perguntei: peixes sonham?
Essa eu tive que pesquisar, porque não sabia, confesso. A neurologia dos peixes é um campo de pesquisa beeem específico da ictiologia, daquelas coisas que tem poucos artigos publicados. Daquelas coisas tão fora da caixinha que parecia o ponto de partida ideal para um conto de ficção científica que eu queria que se destacasse no meio de tantas outras histórias incríveis que com certeza participariam da seleção.
Comecei encontrando esse artigo aqui, caso você tenha ficado com curiosidade, mas vou poupar os leitores dos pormenores. Munida de uma premissa básica, comecei a procurar uma história para contar nessa liquidez toda. Foi assim que encontrei Mauro e Miranda. Ele é um velho teimoso cujos joelhos já não são mais os mesmos, administrador de um dos poucos centros aquicultores que ainda mantém peixes descendentes dos peixes que a humanidade levou da Terra para a vida espacial. Ela é uma velha teimosa que conduz pesquisa com os sonhos de peixes, e que tem objetivos misteriosos ao pedir a ajuda do antigo namorado. A missão é recolonizar o planeta Terra, levar a humanidade de volta para esse lugar bravio e novo ao mesmo tempo, e com isso lidar com questões persistentes do passado.
O título do conto é uma brincadeira sutil com “Admirável mundo novo”, que, sim, é o título de um dos livros mais famosos do mundo escrito por Aldous Huxley, mas antes disso já era uma fala numa peça de Shakespeare. Em A Tempestade, a personagem Miranda, que vive isolada numa ilha com seu pai, Próspero, se surpreende ingenuamente com a chegada de visitantes na ilha e nem suspeita da moral duvidosa dos recém-chegados. A fala completa é:
“Ó, maravilha! Que adoráveis criaturas aqui estão! Como é belo o gênero humano! Ó Admirável Mundo Novo Que possui gente assim!”
O nome de Miranda veio daí também, mas a minha Miranda já saiu há muito tempo da ilha — no caso, do planeta Terra assolado por tempestades terríveis — e já não se engana mais com qualquer um. Até porque, tem problemas maiores para resolver e precisa ser muito esperta. Minha Miranda precisa voltar para a ilha, para um admirável mundo tão velho que pode parecer novo, e talvez precise ser ela a ludibriar corações ingênuos.
Esse conto é sobre memória, sobre voltar para casa e descobrir o que consideramos casa. Tudo graças aos sonhos dos peixes. Espero que você goste, se decidir dar uma chance pra essa história.
Novidades
Bienal do Livro do Rio de Janeiro
Se você chegou nessa newsletter por causa dos meus livros, provavelmente você está mais do que ciente de que esse mês tem o carnaval dos leitores... a Bienal do Livro do Rio de Janeiro! E, SIM, eu estarei lá!
Por enquanto, minha programação fixa é:
15/06 - 16:00 Autógrafo no estande da editora Rocco
20/06 - 16:00 Autógrafo no estande da editora Rocco
Provavelmente vou estar no evento em outros dias também, prestigiando colegas e conversando com leitores. Mas vou deixar pra avisar essas datas soltas quando estivermos mais perto do evento. A vida da gestante no terceiro trimestre é programada semana a semana, e eu vou precisar de bastante lugar pra sentar. Se você quiser me ver na bienal e não vai poder ir nos dias do estande da editora, fique de olho nas minhas redes sociais, porque vou disparar os avisos por lá. Aliás, isso nos traz a novidade número 2, logo abaixo:
Luas e Marés em forma de canal de transmissão
Escrever uma edição bonitinha e caprichada, com pensamentos minimamente organizados, dá trabalho. Exige um tempo de escrita que eu tenho precisado direcionar mais para os projetos de escrita reais oficiais que estou trabalhando para publicar. Mas, para manter uma via de comunicação mais ágil com leitores que queiram ficar por dentro de novidades e receber alguns pequenos spoilers das coisas que ando aprontando e do que vem por aí, decidi tentar usar outro formato: o canal de transmissão do instagram!
A newsletter não vai acabar, de forma alguma. É só um caminho a mais de fazer meu trabalho chegar até você sem depender do algoritmo que às vezes some com meus posts e sem depender de eu conseguir arranjar horas extras no dia para escrever por aqui. Então, o canal de Luas e Marés já está aberto e você pode acessar e se inscrever aqui.
Inclusive, meu zanzar pela bienal vai ser comunicado por lá também.
A maré trouxe...
Totalmente motivada pelo hype de colegas envolvidos com o livro de alguma forma, eu li os dois primeiros livros da série Diários de um Robô-assassino escrita por Martha Wells, que no Brasil está sendo publicada pela Editora Aleph com tradução da incrível Laura Pohl. No caso, eu ouvi os dois primeiros livros no formato de audiobook, porque estou tentando incorporar esse hábito nas minhas leituras. O resultado é que comecei a ouvir pra me distrair enquanto cozinhava e acabei devorando os dois primeiros da série, e já comecei a assistir a adaptação pra audiovisual que está sendo lançada pela Apple TV. A história é contada do ponto de vista do robô-assassino (é assim que ele mesmo se chama), que é uma unidade de segurança atuando na proteção de um grupo de cientistas humanos explorando um planeta. O robô em questão conseguiu se livrar das amarras da programação dele, é essencialmente livre... e tem que lidar com as consequências disso. Eu sei que a humanização de robôs é um tema recorrente na ficção científica, principalmente em tempos recentes de IA, mas a forma que Martha Wells trabalha os dilemas de uma criatura inteligente com livre-arbítrio realmente me pegou. São histórias curtas, e super valem a leitura! O livro físico do primeiro da série no momento está com desconto, e o ebook está incluso no Kindle Unlimited. Ainda não prossegui para os outros livros porque decidi esperar as próximas traduções da Aleph, mas já me considero cativa desse esquema de pirâmide. A série de tv ainda preciso pensar se recomendo ou não, já que só vi um episódio.
Do outro lado do espectro das minhas leituras especulativas, caí em outro esquema de pirâmide que é a série Blackwater de Michael McDowell, sendo publicada no Brasil pela Editora Arqueiro. Começa com o livro A Enchente, mas são seis livros no total, todos bem curtos. Inclusive, uma curiosidade é que o autor escrever a história toda de uma vez e depois só foi quebrando em diferentes partes, e é por isso que os livros parecem acabar de repente sem uma conclusão — a continuação vem logo de cara na primeira página do volume seguinte. Essa é uma história bem difícil de resumir sem dar nenhum spoiler, mistura um realismo fantástico com um horror sutil de cidade pequena americana ao contar a saga da família Caskey (especialmente nas mulheres da família) após uma grande enchente que inunda a cidadezinha de Perdido. Algumas resenhas negativas apontam que é só uma novela, mas esse é justamente o charme da história. Nada parece acontecer até que de repente tudo acontece e você vai virando as páginas muito querendo saber o que as mulheres Caskey vão fazer na guerra fria que travam umas com as outras.
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