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20.000 Histórias Submarinas - Areia e Pólvora #6

Dias cansativos, mas aqui vai o sexto capítulo da história de Anabela e Delfim!

Atenção, esse texto foi editado durante o NaNoWriMo e em final de semestre. Erros de digitação podem ter ocorrido!

Nos capítulos anteriores...

O saque ao Curiosidade ia bem para Delfim, até que a garota fugiu com seu cachorro!

Durante a perseguição para resgatar Ladrão, ele descobriu informações importantes sobre Anabela, e a perspectiva de estar lidando com a irmã de um famoso caçador de piratas não o agrada.

Do lado de Anabela, tudo vai de mal a pior. Perdeu o navio, perdeu a cápsula de exploração e ainda precisou salvar o cachorro! Deixamos nossa cientista remando para alcançar a Ilha das Aves a tempo!

6 - Cabeça Dura

Ladrão não facilitou em nada a vida de Anabela.

O cachorro podia ter ficado e esperado pelo dono. Ao invés disso a seguiu quando os botes atolaram na praia, e a seguiu mata a dentro na direção da cidade de Porto Aveiro. Não entendia o que o vira-lata queria. Obviamente o pirata estava atrás dele, ninguém se daria ao trabalho de persegui-la por tanto tempo depois de já ter capturado o navio. Ou então aqueles eram piratas sem juízo algum, o que também era uma possibilidade.

O plano de Márcia era simples, chegar até as autoridades da cidade e pedir asilo em nome do Duque de Cedro. Havia um limite para a ousadia de qualquer pirata, e atacar o centro da maior cidade daquele lado do mar devia estar em algum ponto acima da linha da loucura.

O tempo todo ouvia os tiros e gritos da tripulação do Balaena enquanto eram perseguidos.

— Eles vão… atrás da gente… até a cidade? — Anabela ofegou, tentando correr colina acima. Quem tinha tido a péssima ideia de construir a cidade na parte mais alta da ilha?

— Eu não sei, só vamos seguir em frente. — Márcia respondeu de algum ponto adiante.

A subida era difícil principalmente com o transporte de Josefino numa maca improvisada. Alguns marinheiros protegiam a reta guarda do grupo e alguns iam na frente com Márcia, desbravando o caminho. Estavam todos cansados, a maioria ferida.

E o maldito capitão pirata não dava trégua. De tempos em tempos, ela ouvia um chamado distante pelo cachorro.

— Você vê… a confusão… que causou?!

Com as orelhas em pé, Ladrão olhou para ela com a língua pra fora. Talvez fosse o esgotamento, físico e mental, interferindo no seu julgamento, mas Anabela achou que ele parecia muito orgulhoso de si mesmo.

Um tiro balançou uma palmeira bem próxima da trilha que abriam. Não era hora de discutir com animais teimosos. O caminho ficava cada vez mais íngreme. Apesar de algumas construções de pedra começarem a surgir por cima da linha das árvores, a sensação era de que nunca chegariam.

Um pé na frente do outro, não tinha outra escolha. Esfregou o suor fazendo os óculos escorregarem, ignorou o corpo dolorido de um esforço que não estava a acostumado a fazer. O que Castro faria, o que Gamão faria, o que seus pais fariam… era o que precisava fazer. Mais tiros, gritos próximos, o barulho de luta.

Olhando para trás, viu que os primeiros piratas tinham alcançado os marinheiros do final da fila. Alguém agarrou seu braço, a fazendo cambalear.

— Anabela, o plano é o mesmo. — Márcia apertou seu braço, a puxando enquanto corriam e tropeçavam. — Você vai até a autoridade mais próxima, não importa o que aconteça com a gente.

— O que?!

— Vai, e não me espera!

— Márcia, não!

Um tirou passou entre a cabeça das duas. O olhar da capitã endureceu, a mão agarrando seu braço com mais força do que alguém com metade da idade dela seria capaz.

— Você vai seguir em frente, entendido? Estamos quase na cidade.

— Não…

— Entendido? Eu sou a capitã e isso é uma ordem.

Presa na força daquelas palavras, Anabela engoliu em seco. De algum lugar, sentia a vontade de chorar vindo, e não podia se dar ao luxo de ceder a ela.

— Você vai me encontrar na cidade. Isso também é uma ordem. — Tentou falar como se sentisse que tinha a autoridade, as vezes fingir funcionava.

Márcia sorriu de lado e concordou com a cabeça antes de dar um último empurrão. Anabela continuou correndo, pelo canto do olho viu que os marinheiros carregando Josefino tentavam acompanhá-la. O cachorro também, lógico.

— Por que… você… não fica… pra trás?

— Ladrão!

Ele.

Não precisou olhar pra trás de novo, só seguiu em frente, as árvores já estavam rareando e ela se recusava a diminuir o passo.

Mas era isso que devia ter feito, percebeu o erro tarde demais. Estavam na parte alta de uma barreira ao redor da cidade, as construções de pedra que vira eram prédios altos distantes, e quando alcançou a beirada descobriu que uma queda bem alta a aguardava. Ouviu Ladrão latindo quando se desequilibrou, as botas derrapando onde a terra encontrava as pedras do muro.

Anabela fechou os olhos, não queria ver Porto Aveiro pelo ângulo da morte certa. Por segundos inteiros, que ela contou numa tentativa de se manter sã — um, dois — enquanto o corpo era lançado para a frente, flutuou no ar. Então uma mão agarrou seu braço.

Era estranho como o tempo ficava mais devagar quando tudo de mais assustador estava acontecendo, tinha que existir alguma teoria física sobre o fenômeno de tudo se arrastar quando estava prestes a morrer. Encontrou o capitão pirata a segurando, o que não deveria ser a pior das situações, só que ele também estava desequilibrado e caindo.

Ele, pelo menos, não estava com olhos arregalados e cara de assustado. Ele parecia saber o que fazer. Ou aceitaria a morte dolorosa com mais dignidade do que ela, a encarando com um olhar determinado e a expressão rígida em concentração.

O tempo voltou ao normal de repente, com seu corpo todo sacudindo quando bateu de encontro ao muro. Por instinto, pegou com a outra mão o braço que a segurava ao ouvir um xingamento que nunca tinha escutado na vida. Olhando pra cima descobriu que tudo que impedida que fossem de encontro ao chão, era a outra mão dele agarrada na borda.

— Não solte!

— Nossa, madame, não tinha pensado nisso… — ele respondeu entredentes.

Ladrão estava latindo fora de vista, parecia estar se afastando. Anabela achou justo não se preocupar com o cachorro no momento, já que a situação dos dois era mais delicada.

— Consegue escalar? — perguntou, procurando reentrâncias no muro.

A resposta demorou pra chegar. Não via o rosto do capitão daquele ângulo, mas ouviu o esforço na voz dele enquanto tentava fazer força para cima.

— Não… não.

— Certo… tudo bem… está tudo bem… — ela disse pra si mesma, tentando se acalmar já que a morte imediata parecia ter sido adiada por alguns instantes. — Eu vou…

— Ali. Está vendo? Estamos em cima de uma feira.

Não tinha lhe ocorrido até então olhar para baixo, o pouco que vira já tinha sido suficiente para saber que não era um caminho curto até o chão. Estavam mesmo sobre uma feira. Logo abaixo parecia estar um vendedor de artesanatos, ao lado de uma sequência de barracas de tendas coloridas.

— Não! Nem pensar! — ela disse assim que entendeu a sugestão. Não tinha como caírem sobre uma das tendas. — Está longe!

— Eu vou balançar a gente pro lado.

— Não vai não!

— Não vai ser uma queda tão ruim…

— Você é louco?!

A confirmação veio na forma de uma balançada. Foi curta, mas o suficiente para mostrar que ele ia mesmo tentar aquilo. A mão segurando seu braço a apertou mais, Anabela sacudiu a cabeça. Aos poucos, começaram a ganhar impulso, primeiro num pêndulo tímido e então num arco cada vez maior. Direita, esquerda, direita, esquerda.

— Não vai dar!

O corpo dela foi para a direita.

— Vai sim! Você prefere que eu te jogue na tenda ou em cima das esculturas de pedra?!

Penderam para a esquerda.

— Eu prefiro que você não me jogue em lugar nenhum!

Direita.

— Sinto muito, moça!

Esquerda.

E queda livre.

Ou nem tanto. Anabela tinha fechado de novo os olhos para não ver o estrago, já bastaria sentir a dor. O que sentiu, porém, foram dois braços fortes a envolvendo no ar, momentos antes de se chocarem contra alguma coisa que não era nem dura nem macia. Foram jogados pra cima, e caíram de novo.

Além de gritos assustados, ouviu também o barulho de um rasgo e então pararam de súbito.

Criando coragem pra abrir os olhos, a primeira coisa que viu foi uma barba e muitas tranças loiras. Maresia e suor e um toque de cachorro molhado. Ao que tudo indicava, ela estava mesmo sendo abraçada pelo pirata enquanto estavam pendurados nos retalhos de uma tenda rasgada. Vivos.

Quando tudo isso fez um mínimo de sentido, o tecido cedeu e eles caíram no chão. Anabela por cima dele, ele por cima do que pareciam ser frutas arruinadas.

— Filho dum ouriço! — ele xingou.

Foram necessários alguns segundos para ter certeza que todas as partes do corpo estavam no lugar. Mais ou menos. Os braços dele ainda estavam ao redor dela e provavelmente não deveriam. A raiva foi a última coisa a encaixar.

— Seu… seu…

Ela se debateu, tentando sair. O maldito começou a rir.

— Eu não acredito que você fez isso!

— Salvar sua vida depois do monte de problema que você me causou? Pois nem eu acredito nisso, e olha que fui eu quem amorteci a queda. Agora é a hora que você me agradece, sabe? Tenho certeza que a madame tem educação o suficiente pra saber dizer alguma coisa nas linhas de ‘obrigada, Delfim, pelo seu ato de bravura e altruísmo’.

Era inacreditável. Louco, com certeza. Forte e corajoso, ela precisava admitir, mas louco e inconveniente e dono de uma grande cara de pau.

Anabela lhe acertou um soco na lateral do corpo, o que finalmente fez com que ele a soltasse. Obrigada, Delfim, pela bravura e altruísmo? Problemas que ela tinha causado?

— Foi você quem me atacou!

— Eu te deixei fugir, moça, e-

— Ha ha ha, foi sim. Não fomos eu e minha tripulação que abrimos caminho à força!

— E em agradecimento você sequestrou o meu cachorro!

— O seu cachorro que me seguiu! Ele veio me seguindo até aqui!

Talvez fosse um exagero, mas também não estava tão longe da verdade. A essa altura os dois estavam de pé, meio tortos, mas de pé sobre um mar de maracujás destruídos. Os cabelos loiros dele estavam por todo lado, o rosto e as roupas sujas de suco de fruta, e a boca contorcida num sorriso convencido.

— Pode me dizer qual é a graça, seu maluco?!

— Vem, Ladrão. — Ele cruzou os braços. — Com certeza ele só foi atrás de você achando que estava caçando sua tripulação pra mim.

Ladrão apareceu, todo empoeirado, trazendo uma machadinha na boca. A cena era surreal, e nem era a coisa mais insana que tinha acontecido naquele dia. As pessoas do mercado assistiam a cena boquiabertas.

O capitão, Delfim, estendeu a mão para ele, mas o cachorro não se mexeu, olhou de um para o outro. Anabela bufou, e colocou as mãos na cintura.

— Ladrão, senta — disse, com a voz mais firme que conseguiu juntar.

Ladrão sentou.

A expressão do pirata se transformou, arregalando os olhos e o queixo caindo. Toda a pose se desfez, quase — quase — fazendo Anabela sentir pena. Ela não se importava com o cachorro, se o bicho não tivesse ido atrás dela metade daquela confusão toda não teria acontecido. De qualquer forma, tinha questões mais urgentes para se preocupar.

Sua tripulação. Entrar em contato com a família. Compensar de alguma forma o dono dos maracujás. O pensamento a deixou mais séria, e o viu refletido na expressão dele. Tendo sobrevivido ao pêndulo humano ou não, estavam de lados diferentes daquela história. E era tudo culpa dele.

Sentiu que uma nova briga estava vindo, se acumulando no ar cítrico entre eles. Até que um tiro de canhão soou ao longe, seguido do barulho de pedra estourando.

A plateia que tinham acumulado começou a correr. Nada de gritos assustados, as pessoas simplesmente fugiram com medo real em seus rostos. Anabela deixou a pilha de maracujás, procurando a fonte do tiro, e quase caiu pra trás ao ver o navio sobrevoando a cidade.

A sombra do Estrela Sangrenta cobriu a rua em que estavam, tiros sendo disparados de todos os bordos, fumaça verde subindo em colunas de onde as balas explodiam. Ela teria ficado paralisada ali, incrédula do que estava testemunhando.

Nero sempre fora um pirata abusado, usava estratégias agressivas, mas nunca havia tentado saquear uma cidade. Na única vez que tentara, Castro tinha garantido que seria a última. O perseguira até os limites dos mares sorrenses e teria ido mais longe se sua tripulação não o tivesse convencido do contrário.

— Nós temos que sair daqui — disse Delfim, de repente muito perto.

— O que? Não, a minha tripulação ainda está na mata!

— Moça, você sabe quem está atacando, não sabe?

— Claro que sei, e não tenho medo! — Era uma mentira deslavada, mas ele pareceu acreditar, porque a agarrou pelo braço e a puxou. — Me solte! Eu não vou com você!

Num instante o capitão a puxava pela rua, no outro estava parado bem próximo, os narizes quase colados. Os olhos dele faiscavam com impaciência, e um pouco de medo também. Ladrão latiu a redor, ganindo com urgência.

— Escuta bem, garota, o seu irmão não está aqui e não vai chegar a tempo de te salvar. Aquele ali sim é um verdadeiro maluco e quanto mais rápido a gente fugir, melhor.

Então ele sabia sobre a família dela. O choque logo foi substituído pela vergonha de ser a Argo inútil. Ninguém teria dito a Castro para fugir.

— Bom, eu estou aqui.

— E é justamente esse o problema! Vamos embora agora!

Delfim voltou a puxá-la, Anabela resistiu. Estava cansada, estava sozinha e definitivamente estava muito brava. Ele segurou seus dois braços, franzindo a testa.

— Você é a madame mais cabeça dura que eu já tive o desprazer de saquear!

— Quer saber? Sou mesmo!

A ideia ela tinha recebido de Gamão muitos anos antes, apesar de nunca ter tido a chance de testar. Havia muitos jeitos de usar a cabeça além de pensar, e foi isso fez que fez. Se jogou pra trás e depois pra frente, dando uma cabeçada na testa daquele homem abusado.

Um sentimento de triunfo a invadiu logo antes da tontura. O viu cambalear um pouco pra trás, colocando a mão na testa, a imagem turva e tremida. Devagar, levou a mão aos óculos, percebendo a fraqueza nos joelhos.

— Ah não… — Delfim disse, a voz distante assim como os tiros de canhão.

O mundo escureceu de repente.

— Seu… idiota… — Anabela conseguiu xingar a memória do irmão mais velho pela péssima ideia antes de desmaiar.

Continua...

Nas próximas news...

Para saber o que vai acontecer com Anabela e Delfim, aguardem o capítulo 7!

E na semana que vem, devo trazer novidades do NaNo e quem sabe mais o que o oceano?

Abraços e bom final de semana!