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20.000 Histórias Submarinas - Areia e Pólvora #15

 Bom dia, olha o barco de Areia e Pólvora passando no seu email...

Vocês já devem ter percebido que a frequência mudou, estou mandando os capítulos quase toda semana. Estou fazendo isso porque quero acelerar um pouco a publicação, e já estou pensando algumas coisas que queria fazer no final.

Talvez esse seja um bom momento pra avisar que Areia e Pólvora é uma história única, MAS... alguns personagens aparecem numa outra história, que eu ainda não sei se vou lançar aqui ou não. Questões. Pode se manifestar sobre isso se quiser, mas não garanto nada.

 Por enquanto, coloque seu colete salva-digitação e aproveite o capítulo de hoje!

Nos capítulos anteriores...

 Num golpe de sorte, um navio voador de contrabandistas passa pelo Balaena. A avaliação científica de Anabela é requisitada sobre um pó misterioso, e ela se depara com algo muito valioso que nenhum dos piratas sabe o que é. Ela engana a capitã dos contrabandistas e convence Delfim a ficar com o pó em troca de serem rebocados para longe da calmaria. Agora, rumo a Porto Baleeiro, Anabela e Delfim estão prestes a entrar em novas negociações.

15 - Ruas tortas

Anabela não se lembrava da última vez que tivera tantas ideias brigando por espaço na cabeça, ou que se sentira capaz de concretizar todas elas. Sacudir a garrafa para homogeneizar o antídoto para Delfim lhe dava um lugar para gastar energia. Queria fazer coisas, queria a bancada de um laboratório, e principalmente, queria não ter ficado com o coração acelerado só de ouvir os passos dele vindo do lado de fora.

Ouviu as vozes de Delfim e Hermes, e não resistiu se aproximar da porta para ouvir.

— Ela é nossa prisioneira! — disse o imediato — Eu entendo fingir qualquer coisa pra não correr o risco de Severina levar ela embora, mas assim que o reboque tiver terminado essa coisa dela ficar andando pelo navio acabou.

— Ela não vai sair nadando por aí.

— Você é um idiota se pensa que ela não vai botar aquela mente estranha dela pra funcionar no momento que ver uma oportunidade de escapar! Que tal parar de pensar com o meio das pernas e usar a cabeça?

— E que tal você parar de se drogar e clarear a sua cabeça?! Não pense que eu não eu reparei, ou que eu esqueci que nós temos assuntos pendentes.

O latido de Ladrão abafado pela porta não deixou que ouvisse a resposta de Hermes, só percebeu os passos se afastando e de repente a porta abriu. Anabela e Delfim se encararam, e como não tinha como fingir que não tinha escutado a conversa, ela apenas estendeu a mão com a garrafa.

Delfim fechou a porta ao entrar, e o pulso de Anabela acelerou ao pensar nas insinuações de Hermes. Uma coisa era o flerte constante que não parecia sério, outra era entender que outras pessoas pensavam ser de verdade. Não tinha como ser de verdade, só precisava informar o coração palpitando disso.

— E o que, exatamente, tem nisso aí? — Delfim perguntou depois de olhar pela janela por uns momentos com a testa franzida.

— Bom, tem um pouco de tudo que coletamos. Líquido ambulacral de ouriços, algas rodófitas com propriedades imunológicas, extrato de cnidoforos, excretas de estrela-do—

— Excretas?!

— Cocô.

— Eu sei o que é excreta, o que eu não sei é como tomar cocô vai me curar.

— Bom, essa espécie de estrela-do-mar se alimenta de anemônas venenosas e processa as substâncias de modo que—

— Deixa pra lá.

Ele pegou a garrafa da mão dela, os lábios retorcidos para o líquido escuro.

— Se eu tivesse um laboratório de verdade, podia ter deixado com uma cara mais bonita.

Delfim suspirou, e depois bebeu tudo de uma vez só. Bateu a garrafa na mesa, esfregou a boca enquanto tossia. Ladrão lambeu sua mão em apoio.

— E agora? Quanto tempo?

— Vai começar a fazer efeito, e amanhã já deve dar pra perceber cicatrização na ferida. — Se não tivesse errado nas quantidades, mas achou que ele não precisava saber daquele detalhe. — E o braço, continua sem sentir nada?

Em resposta, ele mexeu dois dedos.

— Um ótimo sinal!

O silêncio que se seguiu foi desconfortável. Delfim contornou a mesa e tomou seu lugar, fugindo de olhar para ela. Já Anabela não conseguia olhar para mais nada a não ser ele e sua aparência horrível depois de uma noite sem dormir e pequenos machucados frutos do motim.

Com a sequência de acontecimentos, e com as ideias que a atingiram, quase não pensara sobre tudo o que acontecera. Parecia estar no Balaena há muito mais que alguns dias, e prisioneira ou não, se via cada vez mais interessada sobre a história dele e daquela tripulação.

— Para onde vamos agora?

A pergunta finalmente trouxe os olhos de Delfim para ela, o que lhe roubou o fôlego por alguns segundos. Ele a encarava com desconfiança e intensidade, como se não tivesse certeza se tinha perguntado sobre uma localização geográfica ou sobre a vida em geral — ela mesma não sabia.

— Me diz você… o que esse novo acordo vai exigir de mim?

— Não me entregar a Nero.

— E o que eu ganho?

— Eu… só vou dizer depois que você cumprir o primeiro trato, preciso mandar uma mensagem para o meu irmão. Agora mais do que nunca. Mas eu prometo, vou te dar o que você precisa pra derrotar Nero.

— Com o pó de calopsita que você inventou que Severina roubou do Imperador.

— Com o pó de calonita, o nome eu não inventei.

Não o culpava por parecer incrédulo, no lugar dele também hesitaria em confiar. A mão livre dele foi até o braço na tipoia e apalpou, forçou os dedos a se mexerem de novo, por fim ele suspirou.

— Vamos para Porto Baleeiro. É seguro suficiente para eu fazer reparos no navio sem ser atacado, e sei de um lugar que faz transmissões de rádio. Uns dois dias de viagem, acho.

— Certo. Até lá… posso continuar com meus experimentos de fazer água no convés?

— Pra que? Não precisamos mais disso.

— Eu preciso.

— Por que?

— Supondo que eu saia viva dessa, e agora estou mais otimista, eu vou precisar retomar minha vida quando voltar para Sorra e essa ideia que eu tive… pode ser exatamente o que eu preciso pra conseguir entrar na Academia. — A agitação voltou ao pensar sobre a máquina. Se conseguisse fazer dar certo, a Academia jamais recusaria uma invenção que ajudasse o reino com os problemas de seca. — Eu preciso pelo menos de um protótipo, uma versão em miniatura… qualquer coisa que eu possa mostrar que funcione e esteja pronta antes de... Bom, em breve. Eu… tenho uma promessa pra cumprir.

Não tinha pretendido falar tanto. A verdade era que poderia tentar a admissão para a Academia em qualquer ano, mas queria entrar naquele ano para acompanhar Castro na mudança da Ilha de Cedro para o continente. A mensagem que mandaria era importante também para isso, lembrar ao irmão que tinham uma promessa a cumprir e mergulhar de vez na autodestruição por vingança não era um bom caminho.

E nada daquilo interessava ao capitão pirata em sua frente, como a expressão fechada dele parecia indicar. Delfim puxou o caderno de desenhos e abaixou a cabeça.

— Não me importa o que você faz com seu tempo, desde que não atrapalhe a tripulação.

*

As tentativas de construir uma máquina para retirar o sal da água foram infrutíferas, não tinha tudo o que precisava no paiol e quanto mais rabiscava a ideia mais entendia que ainda não estava completa. Então, no dia que chegaram na Ilha da Armação, abandonou os esforços para tentar mais tarde.

Se deixou fascinar pela visão de Porto Baleeiro à medida que se aproximavam. Por motivos óbvios, Márcia tinha passado bem longe dali, e Anabela não tinha esperado que fosse ver algum dia ver a cidade fora da própria imaginação.

Conhecia por alto a história local. A oceanografia da região reunia muitas espécies de baleia na área, de modo que a ilha se tornou um reduto de baleeiros que tentavam evadir as regras de caça que a maioria das nações começaram a impor poucas décadas antes, e com o tempo passou a atrair piratas e contrabandistas. Todo tipo de embarcação pirata de muitas origens distintas passou voando e navegando por eles, chegando e partindo.

— Sua primeira vez aqui, não é? — Dudalina falou do timão — Não se deixa impressionar pela aparência. O lugar te cativa com o tempo.

Anabela ergueu uma sobrancelha cética para ela, que riu.

— Vou te levar numa birosca que eu te garanto que tem o melhor peixe grelhado de todos os mares.

— Não estamos aqui pra fazer turismo, estamos aqui a negócios.

A voz de Delfim veio do convés superior. Ele encarava o horizonte, parecia ter desenvolvido um apreço especial pela paisagem nos últimos tempos já que estava sempre voltado para o mar quando Anabela passava, mal tinham trocado uma palavra depois do antídoto.

Hermes se aproximou, cruzando os braços enquanto olhava do capitão para ela.

— E quando é que nós vamos saber que negócios são esses?

— Quando precisarem saber. Vocês dois vão cuidar de fazer reparos e estocar suprimentos, a doutora e eu vamos acertar contas.

— Não gosto quando vocês dois saem sozinhos, alguma coisa ruim sempre acontece. Por culpa dela.

— Hm. Tão ruins que eu fui até promovida — Anabela sorriu de lado para o imediato.

— Eu não te promovi!

A resposta rápida trouxe o foco de Delfim de volta para ela depois daqueles dois dias, junto da conclusão de que estivera esperando por isso com alguma ansiedade. Hermes resmungou alguma coisa, mas nenhum dos dois lhe deu atenção, sustentando a troca de olhares. Anabela engoliu em seco, algo lhe dizia que a estadia na Ilha seria o que determinaria finalmente o que eram — inimigos ou… qualquer outra coisa com potencial desconhecido.

Atracaram num cais que parecia um castelo de cartas de baralho, navios-híbridos flutuando nos níveis superiores e os mais ultrapassados como o Balaena no nível do mar. Anabela descobriu uma empolgação inesperada ao desembarcar. A cidade, se é que podia ser chamada assim, era caótica. Aqui e ali algumas construções maiores faziam as vezes de prédios principais, apesar de não haver qualquer semblante de governo na ilha. As casas e comércios baixos de madeira tinham sido construídos de acordo com a conveniência e não seguindo nenhuma lógica urbana. Ruas largas de repente caíam em vielas, becos não eram exatamente becos.

Apesar do caos, e da óbvia concentração de bandidos, reconheceu um charme ali. Como se diversos pedacinhos do mundo tivessem sido trazidos pelos contrabandistas para compor o lugar. Tentou absorver tudo enquanto andava, reparou nas mercadorias novas e frescas de diversas nações — muitas até claramente sorrenses, embora nenhuma bandeira pirata fosse vista no reino graças a Castro. O comércio era o verdadeiro dono do mundo, como o Duque de Cedro costumava dizer.

— Será que você pode parecer um pouco menos espantada? Ninguém vai acreditar que você é da minha tripulação — Delfim resmungou, a puxando de leve para continuar andando quando parou numa barraca de engrenagens.

Apesar da impaciência dele, Anabela riu.

— Desculpa, é que… isso é muito mais do que eu esperava de um lugar como esse, e acho…

Desde que zarpara da Ilha de Cedro, não pensava que realmente tivesse visto os lugares visitados até que aquele momento. Como Argo, sabia estar em território inimigo. Também como Argo, sentia que pela primeira vez estava explorando o mundo da forma adequada, como seus irmãos teriam feito — tirando a parte dos piratas.

— Acho que é a primeira vez que me sinto uma navegadora Argo.

— Por que você não fez a circunavegação mais nova? Essa é a tradição de vocês, não é?

A pergunta a pegou de surpresa. Delfim tinha o olhar fixo no rabo de ladrão balançando logo à frente enquanto percorriam o labirinto de ruelas, porém o interesse na voz tinha parecido genuíno.

— Eu não sei, na verdade. É a tradição, mas não é como se os Argo pegassem as crianças e jogassem no mar pra ver quem sobrevive navegando de volta.

Ele disfarçou uma risada com uma tossida, e a observou pelo canto do olho.

— Pelas histórias, parece que é isso mesmo que fazem.

— Hm. Não é bem assim. O mar é… um amor antigo da família. Somos incentivados desde criança, a maioria de nós aprendeu a andar se equilibrando num convés… e então alguns pegam gosto verdadeiro, outros nem tanto. Eu caí na categoria do nem tanto, com a ciência. Não que seja sempre fácil, ser o membro diferente em uma família cheia de grandes feitos, ser a Argo inútil a bordo.

Ele franziu a testa, e demorou alguns instantes para falar de novo.

— Imagino que sendo a mais nova daqueles dois, não foi fácil nunca.

— Mais ou menos. Gamão e Castro sempre me mimaram tanto que conseguiam abafar a cobrança do resto da família, me apoiaram quando eu priorizei meus estudos ao invés da circunavegação. Inclusive…

A lembrança veio repentina, com o cheiro da madeira da varanda de casa e o fantasma do cafuné na cabeça, trazendo junto lágrimas que Anabela pensava já ter deixado para trás. Conseguiu não chorar tentando se apegar só na parte boa de se recordar dele.

— Inclusive?

— Gamão dizia que eu só estaria preparada pra fazer a circunavegação quando estivesse pronta pra ficar perdida numa cidade desconhecida com ruas tortas, onde o ser mais confiável que eu pudesse encontrar fosse um cachorro.

Castro tinha descordado veementemente da afirmação, e ela passara a tarde inteira rindo da discussão dos dois sobre quando alguém estava pronto ou não. No final das contas tinha feito a viagem num momento muito diferente do que ambos julgavam o certo.

— E o irmão que vai tentar me matar, o que dizia?

— Que a hora certa era quando eu estivesse pronta pra não voltar mais pra casa, quando visse o mundo todo como minha casa.

— Isso é uma visão bastante… desprendida. Não é como eu o imagino.

— Castro era desprendido assim, antes. Voltava pra casa porque queria nos reencontrar, contar histórias e partir de novo. Até que ele voltou porque precisamos da presença dele, e nunca mais foi embora.

Percorreram alguns becos e pegaram uma rua que subia a ladeira antes dele retomar a pergunta. Não sabia de onde vinha a curiosidade, ou da sua disposição para responder, mas Anabela se deixou levar pelo momento.

— E você fez a viagem seguindo o conselho de qual irmão?

— Nenhum dos dois. Depois que Nero matou Gamão, navegar mudou de significado tanto pra Castro quanto pra mim. Ele teve que assumir as responsabilidades de Capitão de Mar e Guerra de Sorra, então… reorganizou a frota Argo, convocou de volta todos os navios que estavam longe, e deu início a uma caçada sistemática até não sobrar nenhuma bandeira pirata nos mares do reino. E eu… fiquei à deriva. Minhas pesquisas empacaram, experimentos falharam quase que todas as vezes, as ideias sumiram.

Delfim bufou, lhe ofereceu um sorriso torto.

— Desde que eu te conheço só o que você fez foi ter ideias.

— Bom… foi pra isso que eu parti na circunavegação. Achei que me reconectando com essa parte de mim, da minha família, eu fosse conseguir entrar no rumo de novo. Mas não estava funcionando. Atracamos em dezenas de portos, conversei com pesquisadores de outras nações… até que…

— Até que você tirou Hermes da água e nós estragamos seus planos.

Talvez não tivesse sido inteligente revelar tanto da própria história, e talvez o jeito com que ele se aproximou, a ponto de os braços esbarrarem enquanto caminhavam, fosse uma ideia pior ainda. Ainda assim, Anabela não se afastou, aceitou a invasão do espaço e a usou para se ancorar no momento presente, empurrando as lembranças pra depois. De um jeito tortuoso, aquela situação tinha despertado uma parte de si que passara muito tempo dormente.

Os prédios tortos aos poucos foram dando lugar a árvores e entulhos, a rua pavimentada de pedra virou terra batida cercada de peças enferrujadas, pedaços de madeira mofada, e garrafas com rótulos do mundo todo. Quando começou a parecer que iam subir até o pico mais alto da ilha, Delfim a puxou para fora da trilha.

Foram parar num mirante onde havia uma casa de barro mal pintada, e uma antena do tamanho de uma poltrona.

— Lá dentro, falamos o mínimo possível, nada de nomes a não ser que absolutamente necessário. Vão te pedir pra escrever a mensagem, e um deles vai repassar na transmissão com a voz disfarçada. Fazem isso pra diminuir as chances de descobrirem quem é responsável por esse lugar.

— É uma estação pirata. — Anabela observou a antena — Com tecnologia recente.

— Bom… os Mares Esquecidos têm tudo que alguém pode precisar, se a pessoa estiver disposta a flexibilizar um pouco a própria moral.

O interior não tinha nada a ver com o lado de fora, limpo e com as paredes cobertas por rádios de diferentes padrões tecnológicos. Quatro pessoas vestidas com o mesmo estilo de calças e camisas marrons trabalhavam numa mesa ao redor de algum aparelho desmontado, todas levantaram a cabeça quando entraram e nenhuma interrompeu o que estava fazendo.

— Você ainda tá vivo, moleque? — perguntou um homem de pele preta escura e barba branca — Ouvi dizer que Nero tá andando com Loani por aí e pra você não ter feito nenhuma besteira, só podia tá no fundo do mar.

Delfim ignorou o comentário, apesar dos ombros terem ficado tensos. Tirou um saquinho de dentro do casaco e jogou na mesa, o barulho de algo metálico e pesado fez com que os quatro parassem. A vontade de Anabela foi dar um passo para trás, estranhando aquele comportamento sincronizado.

— Quero uma transmissão que chegue pelo menos até Porto Aveiro, e a qualquer navio com rádio na região.

Uma mulher toda tatuada puxou o saco e olhou o conteúdo. Ela assobiou.

— Onde você conseguiu isso? Tecnologia sorrense de ponta. A Guarda do Sol não vai vir atrás disso, vai?

Anabela arregalou os olhos, mas uma cotovelada de Delfim lhe advertiu para continuar quieta. Ele também não respondeu, apenas esperou os quatro trocarem olhares. Por fim, a mulher levou o saco até uma prateleira, e voltou com um pedaço de papel.

— Frases curtas e diretas — disse a mulher.

Se inclinando sobre a mesa, Anabela escreveu rápido, ciente que Delfim lia por cima do ombro. E graças à conversa anterior, ele entenderia algumas partes.

Segura em ruas tortas com um cachorro. Comprando combustível para o Curiosidade. Se navegar em linha reta, não vamos perder o casamento.”

— E para quem estamos mandando isso? — perguntou o homem de barba.

— Não interessa.

— Informação é parte do preço, moleque, você sabe bem disso.

Com um suspiro, Delfim conduziu Anabela na direção da porta. Na saída, ele parou.

— Para o Capitão de Mar e Guerra de Sorra, Castro Argo.

Ela só teve tempo de ver os quatro queixos caindo antes dele a empurrar para seguirem em frente. Já na trilha, as perguntas saíram com uma enxurrada. Delfim não a soltou, e ela não fez nenhum esforço para se desvencilhar.

— O que era aquilo que você usou pra pagar? E como assim informação é parte do preço? Por que essa pressa toda?!

— Algumas pessoas contrabandeiam objetos, outras informação. A última coisa que eu e você precisamos é os Quatro Sem Nome saberem demais, mas tive que correr o risco. Estou contanto que vão pensar que eu só tô desesperado a ponto de recorrer à medidas drásticas.

— Mas eles vão transmitir mesmo?

— Ah, isso vão. Levam a sério os negócios.

— E-

— Não, não, chega de perguntas. Minha vez agora.

Delfim parou num pedaço de mata que tinha sido usado para descartar timões quebrados. Tudo nele estava tenso, o maxilar travado e a postura ereta de braços cruzados.

— Eu cumpri minha parte do trato anterior. Agora você me conta o que é o pó de calopsita e como eu posso resgatar Loani.

Anabela respirou fundo, tentando encontrar o melhor caminho para negociar. Achava que já conhecia Delfim bem o suficiente para saber que ele veria a oportunidade, mas precisava vender mais do que uma chance — tinha que lhe dar uma certeza.

— Eu te contei que depois que meu irmão morreu, quase todos os meus experimentos falharam… e você sabe que eu sou química… e Dudalina deve ter comentado que o Curiosidade usa um combustível diferente... Bom, algumas coisas deram certo, na verdade, e nos últimos dois anos eu meio que me tornei muito boa em… explodir coisas.

Ele arqueou as sobrancelhas. Anabela ajustou os óculos.

— O pó de calonita é um dos catalisadores do combustível de carbotina que eu uso no Curiosidade. É uma descoberta muito recente, é extremamente reativo se tratado corretamente e… nos porões do Balaena você está carregando uma quantidade suficiente para, quem sabe… — Ela abriu os braços e olhou ao redor — Nivelar uma ilha do tamanho dessa? A potência da carga-

— Anabela Argo! — Ele engoliu em seco, deixando os braços caírem — Você vai pular o blá blá blá científico e vai me dizer agora o que, exatamente, você tá me propondo.

— Me liberte, garanta que eu não caia nas mãos de Nero… e eu vou construir as bombas pra você. Você não precisa de uma frota, se afundar a dele.

Delfim colocou as mãos na cintura, ainda sem reação.

— Delfim… eu entendo. Você ouviu a minha história. Acha que eu não sei como é se preocupar com um irmão? Castro deve estar nesse exato instante obcecado, debruçado em cima de uma carta náutica traçando a estratégia e prestes a fazer… E eu não tenho nem garantias de que ele vai sair vivo ou são, disso tudo e então eu vou ter perdido os dois… — Pigarreou para desembargar a voz, ajustou o óculos de novo quando o metal escorregou pelo nariz ao sacudir a cabeça. — Se nós derrotarmos Nero, de uma vez por todas, você vai ter sua irmã de volta, seus mares livres, e eu vou impedir Castro de se tornar uma coisa que eu acho que ele não quer ser.

Ofereceu a mão, tentando não tremer e falhando. A respiração dele estava acelerada, um reflexo da dela. Quanto mais Delfim encarava o braço estendo entre eles, mais rápido o coração de Anabela batia.

— Então, promovida? Consultora para assuntos científicos e explosões dos seus piores inimigos?

Ele fechou os olhos e suspirou, e quando finalmente estendeu o braço, a puxou e selou o acordo com um beijo.

Continua…

Nas próximas edições...

 E o que será que acontece na semana que vem? Mais um capítulo de Areia e Pólvora? Algum devaneio oceanográfico? Nunca se sabe, vai depender de quantas ameaças eu receber por encerrar o capítulo aqui.

 Bom final de semana e até a próxima!