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20.000 Histórias Submarinas - #6 A Oceanografia dos Mares Esquecidos

Hoje a newsletter veio um pouquinhozinho diferente, mas espero que gostem e que vocês tenham um bom dia!

Alerta! Esta newsletter foi escrita durante o NaNoWriMo, pode conter erros de digitação, ao embarcar por favor use o colete salva-digitação.

A Oceanografia dos Mares Esquecidos

Vou confessar que a newsletter de hoje quase não sai. Trabalho, cansaço, preguiça, NaNoWriMo… acho que dá pra entender. Mas, mesmo que fosse um pouco mais curta ou mais confusa, essa edição tinha que ser feita.

Primeiro porque ao longo da semana 20.000 Histórias Submarinas passou de 100 assinantes, e não dava pra não falar sobre isso. Hoje, 104 pessoas vão receber essas palavras no email, como se eu estivesse jogando 104 mensagens em garrafas de uma só uma vez! As estatísticas do Revue me dizem que em média metade dessas pessoas abre o email ou clica no link pra ler, e não estou sendo modesta quando digo que isso é muito mais do que eu esperava pra esse experimento meio de escrita meio de divulgação oceanográfica (e meio pessoal também).

Não sei bem se o atrativo são os temas que eu vou destrinchando ou acompanhar Areia e Pólvora, ou os dois — fico feliz com qualquer das opções, mesmo, já que eu quis falar de tudo isso. Se você tiver um favorito, se ler só por causa de um ou outro, fique à vontade pra me dizer!

Hoje seria dia de uma edição temática, e eu fiquei passeando entre algumas opções interessantes (Os Sete Mares, a oceanografia de Procurando Nemo, baleias e suas canções, o livro As Águas Vivas Não Sabem de Si…), e até de fato sentar pra escrever não tinha decidido. Foi essa dúvida sobre o que seria o principal atrativo para assinar essa newsletter que me deu o estalo. Por que não os dois? Falar de oceanografia e Areia Pólvora ao mesmo tempo?

Logo no início dessa aventura sobre newsletter eu vi um tuíte na conta da Isabelle Morais sobre como ela gosta de ver os processos por trás da criação das histórias, e essa sugestão ficou comigo apesar de eu nem sempre colocar aqui isso. Acho que hoje vou fazer um pouco disso, seguindo o tema da romantização da minha nerdice que eu comentei duas edições atrás.

Em Areia e Pólvora eu tirei muitos elementos diretamente do nosso mundo. Ainda sou encantada o suficiente com os fenômenos naturais oceanográficos (físico-químicos, biológicos e geológicos) e com a história do ser humano no mar pra não sentir tanta necessidade de derivar muito longe do real na hora de construir os mundos onde as minhas histórias se passam. Eu não me considero muito purista no quesito de “acertar a ciência” nas histórias, só gosto que as camadas visíveis daquele mundo passem a sensação de realidade ao leitor mesmo depois das concessões feitas à ficção — a história tem navios voadores! Então, assim… a sensação de real é mais importante do que a precisão (pra mim).

Uma facilidade é que o mar, por si só, já é um pouco fora da realidade da maioria das pessoas. Com a exceção de navegadores e trabalhadores do mar, não é um ambiente com o qual muita gente sinta familiaridade. Mesmo quem mora no litoral e está acostumado a frequentar a praia talvez não tenha essa noção. Entrar num barco, navegar rumo ao mar aberto e se afastar de terra gira uma chave na nossa cabeça, parece outro mundo e outra vida. E a natureza real do nosso planeta é tão diversa, que quase qualquer coisa pode ser inventada sobre o mar e parecer verdade, justamente porque é um mundo à parte, bem aqui do lado.

Eu podia ficar listando aqui um monte do que pensei na época da escrita da história, mas vou focar em dois aspectos principais até porque não vou dar spoilers!

Mares e Navegação

O mundo onde os Mares Esquecidos existem foi feito aos moldes do nosso planeta, com continentes e oceanos. A região em si onde a história se passa, é um pedaço dos Mares Esquecidos (afinal, o nome é no plural!), o coração deles, a parte onde existe habitação. No total, os Mares Esquecidos são compostos de três áreas, três mares. Mas, o que é um mar?

Pela definição mais simples, consideramos um mar um extenso espaço de água salgada que seja delimitado parcialmente ou totalmente por terra, que pode vir na forma de um pedaço de continente ou ilhas (Diferente de um oceano, que é um corpo de água salgada que cobre uma porção gigantesca da crosta terrestre e não pode ser limitado por ilhas). Repare que isso é um mar. O mar é esse conceito gigantesco que nós temos das águas que batem no litoral e se conectam no oceano global da Terra.

Pode parecer uma definição vaga, e até é. Tem mais significância como denominador de regiões geográficas do que um fator influenciador nos processos oceanográficos (na verdade, esses processos que influenciam nos mares). Não vou me alongar no assunto porque ainda quero fazer uma newsletter sobre os famosos Sete Mares, só queria trazer esse cenário pra ilustrar o motivos dos Mares Esquecidos se chamarem assim, e porque eu quis fazer Areia e Pólvora acontecendo no meio de uma viagem passando por eles.

Atravessar mares, seja no sentido literal ou numa visão mais conceitual, sempre vai significar algo, quase sempre atrelado a algum tipo de descobrimento — novos territórios, novas culturas, novos produtos, novos objetivos altamente questionáveis de dominação. O ser humano atravessou mares muitas vezes na história e tornou o próprio mundo maior ao fazer isso, desde as navegações polinésias se guiando pelas estrelas até os dias de hoje em que boa parte do consumo depende das rotas oceânicas de mercadoria — a maioria de nós pode até não ter condições de deixar o continente, mas temos como experimentar um pedacinho lá do outro lado. Para o bem ou para o mal, as navegações nos conectaram no que somos hoje.

Como alguns de vocês devem ter reparado, alguns dos personagens citados o circum-navegam — ou seja, dão a volta ao mundo navegando. Não sei porque eu acho essa ideia tão fascinante, me apeguei nesse tipo de história desde as leituras de Julio Verne quando era mais nova. Conheço pessoas que já circum-navegaram a Terra e nunca canso de fazer perguntas sobre a viagem, algumas vezes do nada eu levanto a cabeça do que estou fazendo e pergunto “Na viagem você foi em tal lugar e fez tal coisa?”, e as respostas sempre me encantam. Então, meus personagens tinham que fazer algo assim também, mas eu queria que tivessem um bom motivo, que a viagem significasse algo mais além de uma façanha incrível.

A personagem principal, Anabela, vem de uma família de navegadores. Entre os Argo, dar a volta ao mundo é como um ritual de passagem. A maioria faz a circum-navegação pela viagem em si, pela descoberta, pela urgência que algumas pessoas têm de estarem em movimento. Anabela faz a viagem com objetivos científicos em mente. Ela precisa fazer uma grande descoberta para ser admitida entre os membros da Academia, e precisa também se conciliar com o que significa ser uma Argo, principalmente no contexto da história (o esforço pra não da spoilers está sendo imenso hahaha). Naturalmente ela já navegou antes, mas esses eventos de Areia e Pólvora são muito mais significativos durante a sua circum-navegação, no seu ritual de passagem como cientista e como Argo, na sua busca por aumentar o próprio mundo.

Feições e Sedimentos

Na primeira cena de Anabela, a vemos coletando amostras de sedimentos. Sedimentos podem nos dizer muitas coisas, e apesar de eu ter tomado liberdades com a areia azul, o método de investigar as camadas de sedimento abaixo do fundo marinho é real e até bastante tradicional na oceanografia geológica. Hoje obviamente temos formas mais avançadas de prospectar o fundo, mas: fincar um tubo na areia, fechar a vácuo e reproduzir a sequência de camadas numa bandeja ainda é um caminho bastante utilizado.

Bom, e o que uma investigação poderia nos dizer sobre essa região?

Nos Mares Esquecidos temos três tipos diferentes de elementos visíveis na superfície do mar: ilhas, Atóis e pedras, feições físicas desse mar. Oceanograficamente falando, é um ambiente bastante diverso, e apesar de eu não ter me baseado especificamente em nenhuma região nossa, o lugar real mais próximo seriam as ilhas da Polinésia (mas elas não formam um mar).

Cada um dos três oceanos mais conhecidos da Terra (Pacífico, Atlântico e Índico) teve processos de formação distintos ao longo dos milhões de anos em que as placas tectônicas se moveram. Dependendo do tipo de movimento e da fronteira entre as placas, diferentes tipos de formação insulares (ou continentais) serão geradas.

No nosso planeta, como é hoje, provavelmente não seria possível uma região como a dos Mares Esquecidos. Mas, como eu disse lá em cima, o parecer real pra mim já é o suficiente. E por que não fazer o exercício contrário pra criar um mundo? Ao invés de partir do zero pra ter uma explicação plausível, olhar para a região e buscar uma teoria que a explique — a nossa ciência faz exatamente isso, busca respostas a partir do que vê. Anabela, antes de seu encontro inesperado com piratas, estava fazendo exatamente isso.

Se um oceanógrafo ou geólogo se debruçar sobre o mapa dos Mares Esquecidos vai ver essa combinação de formações distintas. A suposição mais natural a se fazer seria que a área passou por processos bastante turbulentos: atividade vulcânica intensa para Pedra Solitária e a Baía da Salvação, tectonismo e terremotos para a cisão no Passo dos Melvos e também para o soerguimento de ilhas grandes como a Ilha das Aves e a Ilha das Baleias. A formação dos Atóis é bastante específica, e talvez a mais destoante perto das outras se compararmos ao que vemos na Terra. Resumindo, e sem me delongar muito cientificamente, a formação geológica das Mares Esquecidos foi um vai e vem violento de vulcões e terremotos.

O passo seguinte pra entender com mais detalhes seria justamente fazer o que Anabela estava tentando no início, seria começar a olhar para o sedimento. Entender sua composição, datar, observar como é transportado e como está distribuído. Os grãos de areia têm tantas histórias pra contar quanto o mar tem ondas.

Talvez Anabela descubra tudo isso, se um certo pirata lhe deixar em paz...

A Laís Lacet que fez a arte do mapa teve o cuidado de colocar características distintas para ajudar a diferenciar as ilhas arenosas das ilhas mais de constituição rochosa. E acho que visualmente ficou muito bacana. Eu espero que olhando pra ele o leitor sinta vontade de viajar também, cruzar mares e fazer as próprias descobertas.

Progresso do NaNoWriMo

Até o momento da edição dessa newsletter ser fechada, 21 681 palavras tinham sido escritas no projeto Canção de Caça. A história entrou em sua segunda fase, o que significa que a bomba estourou e os protagonistas agora tem que correr, um fugindo e o outro caçando. O pulso está doendo um pouco, mas segue firme.

Tá sendo uma experiência bastante divertida. Aqui não posso deixar de falar também que escrever com o suporte do grupo de apoio conhecido como Império Caprichete é uma parte importante dessa diversão. Escrever não precisa ser solitário e esse caprichetes já estão no meu coração.

Essa maratona toda (50 mil palavras em um mês) é cansativa? Com bastante humildade, digo que acho que depende, cada pessoa tem os seus próprios processos. Pra mim, colocar trechos grandes de uma única história no papel, todos os dias sem falta, gera um efeito mental que eu associo muito com o de fazer exercícios físicos regularmente, saio cansada mas satisfeita, me sentindo bem.

O cansaço acho que vem principalmente de fazer isso ao mesmo tempo que trabalho, mas não posso reclamar, nunca tive a ilusão de viver de escrever então meio que não tem outra opção. Todas as outras histórias que eu escrevo também são feitas nesse dia-a-dia atarefado, a diferença é que fora do NaNo esse compromisso de chegar ao fim fica mais fluido. No NaNo também consigo ser um pouco mais regular em números, enquanto que fora dele eu não tenho um padrão de escrever muito ou pouco num dia.

Escrever a mão também está sendo bem diferente de escrever no computador, mas vou guardar pra fazer a avaliação sobre isso pra depois de terminar. Deixo vocês por aqui.

Nas próximas...

Eu espero que essa pequena excursão pela cabeça de uma oceanógrafa escritora não tenha te deixado morrendo de sono! Anime-se que hoje é sexta-feira!

Semana que vem, Anabela e Delfim vão causar um certo tumulto na Ilha das Aves.

Abraços e bom final de semana!