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20.000 Histórias Submarinas - #13 O tempo das marés

Hoje falo de um tópico que me pediram pra falar, mas não exatamente como a pessoa deve ter imaginado que eu abordaria (e explico no texto o motivo).

Atenção! Essa newsletter pode conter erros de digitação. Para se proteger, vista seu colete salva-digitação antes de embarcar.

O tempo das marés

Vou confessar, eu sou provavelmente uma das oceanógrafas menos capacitadas pra falar de marés enquanto fenômeno físico. Eu as conheço, e as entendo e nelas confio, mas explicar sobre o equilíbrio de forças do sistema Sol-Terra-Lua e o comportamento do movimento do mar no meio disso tudo requer um conforto que eu não tenho.

Na oceanografia nos especializamos em uma de quatro áreas (normalmente, isso vale mais para pesquisadores que pessoas no mercado de trabalho empresarial): oceanografia química, oceanografia geológica, oceanografia física e oceanografia biológica. Desde a graduação o trabalho com mamíferos marinhos e meus interesses pessoais me levaram para a área biológica, interseccionando com as demais áreas de acordo com o necessário. Tem um professor na UERJ que brinca que eu sou “a oceanógrafa bióloga mais física que ele conhece”, e isso é um elogio e tanto considerando que eu sempre passei de raspão nas provas dele sobre circulação oceânica, força de Coriolis e equações infindáveis sobre o oceano, a atmosfera e tudo mais. Minha interação com a parte física dos oceanos se dá majoritariamente na acústica, propagação de ondas sonoras e seus fenômenos. Portanto, para difundir um conhecimento sobre marés de forma mais segura (e honesta), vou deixar aqui o link de um site que eu gosto muito, o Bate Papo com Netuno, com as explicações físicas de um jeito beeem acessível pra quem não é da área, com desenho e vídeo. Dá uma olhada aqui se tiver curiosidade sobre essa parte mais física.

Dito tudo isso, eu tenho um encanto pelas marés. Acabo sempre usando metáforas com elas nos textos, ou como descrição do cenário quando a história se passa no litoral. Uma (das poucas) certeza(s) da vida é o tempo certo das marés. Apesar da variação de altura mudar bastante de lugar pra lugar (centímetros em algumas regiões, muitos metros em outras), a água vai subir e depois vai baixar e vai subir e vai baixar e subir e baixar. De vez em quando, devido ao equilíbrio de condições previsíveis, vai ficar estável na mesma altura por algumas horas, mas sabemos quando vai voltar a andar. E é isso, as marés podem e são previstas.

Navegação, pescaria, turismo... muito mais do que as pessoas imaginam acontecem seguindo o ritmo das marés, e tola é a pessoa que marca qualquer atividade no mar sem olhar as tábuas de maré antes. Todos os anos é publicada e disponibilizada de forma gratuita uma publicação contendo TODAS as previsões de maré para todos os portos e locais que têm marégrafos e estações (aqui você encontra a Tábua de Marés de 2022, e aqui você encontra as previsões de anos anteriores caso precise dessa informação por algum motivo. Não sei bem até que ano vai, mas dá pra ir selecionando local, ano e mês. Divirta-se!).

(E sim, eu confesso, já planejei saídas de campo sem olhar a maré antes e dei de cara com o barco atolado na lama da Ilha do Governador porque a maré estava baixa demais. E o post do instagram que não me deixa mentir tá aqui.)

Essa previsibilidade nos dá segurança. Saber e compreender o ciclo nos dá tranquilidade. Quando a maré baixa e expõe todo aquele terreno antes submerso com estranhezas e surpresas, sabemos que vai subir de novo e todos os organismos sofrendo sob o sol terão seu refresco de volta. Quando a maré sobe e transborda nos deixando ilhadas em algum lugar, sabemos que vai baixar e o caminho por onde viemos ou por onde pretendemos seguir vai estar aberto de novo. Não há mal que sempre dure, nem mar que nunca volte. Mesmo com as mudanças históricas no nível do mar, incluindo as que estamos vendo em função das mudanças climáticas, as marés vão continuar ocorrendo em ciclos e influenciando a circulação de água nas zonas costeiras.

A região geográfica que hora está submersa e hora está exposta chamamos de Zona Entre-Marés. Uma infinidade de criaturas de diferentes linhagens biológicas é especialmente adaptada pra viver nessa zona, são preparadas para sobreviver aos dois momentos, seja sob as areias úmidas das praias arenosas ou na lama do mangue ou na abrasividade dos costões rochosos ou nas piscinas naturais como essa da foto que eu tirei em Praia do Forte – BA na semana passada.

Esse vai e vem do mundo, acho, é um fenômeno que acontece fora do campo natural também. A moda sempre volta, gêneros e tropos de livros são resgatados, ideias imbecis e criminosas saem do esgoto e lutamos contra elas de novo. O tempo passa, a maré baixa e temos um vislumbre de um lugar que não é bem o nosso mas está sempre ali. A maré sobe e leva aquele pé de chinelo esquecido na areia, ou quem sabe carrega a mensagem numa garrafa que vai viajar sabe-se lá por quanto tempo e distância até encontrar quem a leia. Nem sempre dá pra prever como ou quando as coisas vão voltar, mas acho seguro acreditar que ela vão. Até porque, a vida não para, a vida vai seguindo o ciclo e vinda e a gente só segue sabendo que mais cedo ou mais tarde vai dar pé de novo.

Pra muitas criaturas (pra muita gente) a vida acontece justamente entre as marés. Se agarrando pra não ser levado com o movimento do mar e ao mesmo tempo contando que o movimento será repetido, que as condições mais favoráveis vão voltar e no tempo certo. A minha afinidade maior, confesso, é com a maré baixa, quando consigo andar pelas pedras e ver as criaturas escondidas e tenho controle por onde caminhar – mas sempre sabendo que tenho hora pra voltar, que o mar vai reclamar de volta aquele pedacinho de terra que não é terra de verdade e sim um entre-mundos. Acho que o meu mundo é esse espaço que tem um pouquinho de terra e mar, um pouquinho de oceanografia e escrita e tantas outras divisões que se encontram nesse limiar que eu habito.

Numa newsletter futura pretendo falar sobre outro fenômeno diretamente ligado ao movimento das marés, que é o da zonação e sobre as criaturas que vivem nesse meio do caminho. Mas não vai entrar nessa porque todas as metáforas que consigo extrair disso vão acabar me deixando emotiva e não tô podendo com mais emoção agora.

Deixo vocês aqui com duas novidades, pra compensar:

A maré trouxe

Um ou dois meses atrás eu estava meio bem desanimada com a escrita, mas agora tudo está se agitando de novo! E vou compartilhar com vocês duas coisas bem legais que estão acontecendo:

--> Está aberto o catarse da terceira edição da Eita! Esse volume conta com um conto meu bem fofinho e cheio de esperança. Acompanhe as redes da Eita pra me ver falando sobre essa história, e se puder deixe o seu apoio pra esse projeto que é muito legal e que tem feito tanto pela profissionalização das pessoas autoras de ficção especulativa no Brasil!

--> Em novembro vai acontecer um evento MUITO legal, principalmente pra quem curte newsletter e embarcou nessa forma de ler e escrever textos. O evento se chama O Texto e o Tempo, vai acontecer no final de semana de 04 e 05 de novembro de forma online. Aqui tem mais informações e a programação completa. Tem muita gente incrível envolvida, vamos ter oficinas e conversas, e eu vou participar de um bate-papo sobre folhetins em newsletters! Até lá vou falando mais sobre isso, mas fiquem de olho porque as vagas vão ser limitadas.

Nas próximas news...

Ufa, sabemos que Anabela não morreu! Ainda, se depender da (quase) sogra... sei não hein. Ainda bem que Ladrão está lá! Principalmente com os ares de traição rondando Delfim...

Bom final de semana pra todo mundo!