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20.000 Histórias Submarinas - #10 Os Sete Mares de Cada Um

 Voltando finalmente com uma edição temática, hoje divago um pouco sobre os sete mares do mundo e da gente, e falo um pouquinho do que estou trabalhando no momento. Também tenho uma novidade que ainda parece meio sonho.

Atenção! Essa newsletter pode conter erros de digitação! Por favor, ao embarcar, use o colete salva-digitação!

Os sete mares de cada um

Quem nunca ouviu falar deles? Eles, que de repente transformam um personagem comum em alguém que demanda respeito, ou medo. O pirata mais bravo dos sete mares. A criatura mais temida dos sete mares. Alguém que navegou por todos os setes mares. Não basta ter feitos incríveis num único mar, tem que bater o ponto em todos os sete se não pode virar esse navio de volta pro porto.

É muito curioso como os setes mares viraram uma ideia, um conceito perpassando diferentes culturas. Não existe uma lista única de quais são os setes, porque dependendo de que época e de que povo estamos falando os mares variam. E, claro, não necessariamente esses mares correspondem aos mares reconhecidos hoje pela oceanografia.

Relembrando aqui algo que já disse numa newsletter passada, pela definição mais simples, um mar é um extenso espaço de água salgada parcialmente ou totalmente delimitado por terra, que pode vir na forma de um pedaço de continente ou ilhas. Já um oceano é um corpo de água salgada que cobre uma porção gigantesca da crosta terrestre, normalmente flanqueado por continentes. Então, no planeta Terra, temos 76 mares, que fazem parte de 5 oceanos. O número de mares pode variar um pouquinho pra cima ou pra baixo dependendo da fonte, mas de qualquer forma é um bocado a mais do que sete.

(Aqui vale apontar que talvez num esforço de tentar conciliar a ideia de sete mares com o nosso conhecimento atual, em alguns lugares pode ser que você veja a lista dos oceanos em sete: o Ártico, o Pacífico Norte, o Pacífico Sul, o Atlântico Norte, o Atlântico Sul, o Índico e o Austral. Mas, de verdade, não tem nenhum bom motivo pra se referir ao Pacífico e ao Atlântico com esse desmembramento entre norte e sul a não ser que esteja investigando processos regionais específicos. No que toca o principal da definição, são cinco: Ártico, Pacífico, Atlântico, Índico e Austral/Antártico.)

“Os sete” estão presentes em referências bastante antigas (literalmente desde a antiguidade), podem se referir tanto aos mares atravessados em rotas de comércio quanto para se referir a lugares distantes. Na verdade, é bastante natural que essa visão dos sete tenha mudado ao longo do tempo e de acordo com o povo navegador. Um navio percorrendo apenas as rotas de comércio entre o sul da Europa, o norte da África e o oeste da Ásia poderia considerar os mares contidos dentro do Mar Mediterrâneo (woow, crazy): o mar de Alborão, o mar das Baleares, o mar da Ligúria, o mar Tirreno, o mar da Sicília, o mar Jônico, o mar Adriático, o mar Egeu, o mar da Líbia, e o mar Levantino. Ops, de novo, mais do que sete, e eu nem citei aqui os golfos que algumas vezes são chamados de mar. É quase como se o número sete tivesse sido uma escolha desconectada da geografia, não é mesmo?

Bom, talvez não completamente desconectada da geografia, mas com certeza foi uma espécie de escolha. Na cultura grega antiga, os sete mares eram: o Egeu, o Adriático, o Mediterrâneo, o Negro, o Vermelho, o Cáspio e o Golfo Pérsico. Essa é uma das listas mais famosas, mesmo que o golfo não seja bem um mar e o Adriático e o Egeu na verdade façam parte do Mediterrâneo. Muitas vezes a listagem grega é confundida e misturada com os sete considerados na Europa do período medieval: o mar do Norte, o Báltico, o Atlântico, o Mediterrâneo, o Negro, o Vermelho, e o da Arábia. Volta e meia me deparo com uma mistura dessas duas, e é possível que todas as versões estejam tecnicamente corretas já que em termos de oceanografia são uma bagunça.

(O Mar Cáspio (em inglês, Capian Sea), aliás, que muito provavelmente inspirou o nome do personagem do Príncipe Caspian das Crônicas de Nárnia que navegou no Peregrino da Alvorada, é na verdade o maior lago do mundo. Um grande lago de água salgada. Ou seja, não deixe ninguém dizer que você não pode ser o que quiser.)

Como muito do que hoje vemos presente na cultura ocidental, a fama dos sete mares enquanto uma figura de linguagem vem de uma visão bastante eurocêntrica do mundo. Reparem que nas listas mais famosas que acabei de citar, os sete mares são os que orbitam em torno da Europa. A própria popularização do termo é normalmente atribuída aos poemas de Rudyard Kipling publicados na antologia “Os Sete Mares” (em inglês, The Seven Seas), em 1896, cujo principal tema é o poder naval que mantinha o alcance (predatório) do Império Britânico. No entanto, nas diversas culturas asiáticas, também existem menções de seus próprios sete mares ou de configurações de sete mares que incluíam mares ao redor da China e da Índia, por exemplo. Nas famosas Mil e Uma Noites, o marinheiro Sinbad navega por sete mares, que alguns listam como sendo: o Golfo Pérsico, o mar da Arábia, a Baía de Bengala, o Estreito de Malacca, o Estreito de Singapura, o Golfo da Tailândia, e o mar de Sanji (ao sul da China).

Portanto, não existe uma lista absolutamente correta dos Sete Mares. Se você quiser contar uma história com eles, pode se valer de praticamente qualquer mar do mundo desde que use um mínimo de coerência no contexto onde a expressão vai ser usada. Recentemente, pra um conto que escrevi escolhi adotar a configuração composta por: Mediterrâneo, o Negro, o Vermelho, o Golfo Pérsico, o da Arábia, o Báltico e o Cáspio. Eu me debati bastante com essa escolha, e enquanto estava planejando a história mudei várias vezes quais seriam os meus mares — e estou prontíssima pra mudar de novo se a história for recusada ou se durante o processo de edição fizer mais sentido. (Tenho certeza que ninguém disse pra Freddie Mercury que Seven Seas of Rhye não fazia sentido, e se disse... bom, não ficou famoso pra contar.)

No fundo, nautas ou não, todos nós temos uma (ou algumas) figura(s) de Sete Mares. Aquela pessoa que sabemos já ter viajado por não sei quantos lugares. Um colega de trabalho que já publicou trezentos artigos/histórias. A sua prima prodígio sempre citada como referência na família. Os desafios pessoais de cada um. Atravessar o mar na antiguidade, não canso de repetir, era um feito e tanto. Hoje os feitos a que damos importância podem ser mais diversos, e a cultura competitiva de ser e fazer sempre mais ampliou bastante esse conceito. Mas os Sete Mares de cada um estão aí, e como as histórias mostram, não são necessariamente os mesmos pra todos.

Eu tenho a minha lista pessoal e não-fictícia de sete mares a cruzar, e ainda não naveguei por todos eles, mas gosto de pensar que ainda tenho tempo. O mundo quer que a gente acredite no prazo dos 30 anos, se você não fez tudo que gostaria de fazer — se não navegou seus sete mares antes dos 30 anos — já era. Vai ter que se contentar com viver só com migalhas de contentamento e remoer um suposto fracasso. Já faz uns bons anos que venho brigando comigo mesma pra não cair nessa armadilha, me relembrando que o barquinho tá sempre ali pra eu zarpar sempre que quiser, e que depois dos sete tem mais dezenas de mares pra atravessar. E essa semana aconteceu uma coisa que me fez ter certeza de que sim, é pra eu continuar tentando sim, não importa quando.

Novidades

Ontem, se eu por acaso não estiver sonhando, assinei um contrato! Agora sou agenciada pela Agência Magh, e de algum jeito eu ainda estou viva depois de ter saído pulando pela casa.

Desde que eu passei a levar a sério a ideia de colocar as histórias pro mundo, e me dediquei a pesquisar o mercado editorial, o agenciamento era uma daquelas coisas que eu queria muito e parecia muito longe da realidade. Cheguei a ser recusada em uma seleção, e deixei passar outras seleções que abriram, me obriguei a ser paciente e seguir em frente.

Eu ainda não tenho palavras pra descrever como foi receber essa oportunidade na Magh, a agência que eu sempre quis, e ouvir de dois profissionais como Gabi Colicigno e Sol Coelho que minhas histórias têm potencial. E mesmo sabendo que ainda é preciso ter paciência, sinto que atravessei um daqueles mares, e que agora estou num navio maior e melhor para as próximas travessias, e muito bem acompanhada.

E aqui eu preciso agradecer a cada um dos assinantes dessa newsletter. Por acompanharem as diferentes edições e meus experimentos de organização de envio, por vibrarem com Areia e Pólvora, fazerem comentários e recomendações e perguntas. Ser lida e bem recebida dá um quentinho no coração todas as vezes, e foi parte importante de chegar aqui. Espero que as viagens pelas 20.000 Histórias Submarinas continuem sendo tão boas pra vocês quanto têm sido pra mim.

Na próxima edição...

Semana que vem chega mais um capítulo de Areia e Pólvora. Delfim, de algum jeito, conseguiu perder uma prisioneira dentro do próprio navio e por sorte Ladrão está lá pra resolver essa situação. Talvez.

Boa sexta-feira e bom final de semana!